Algumas cenas familiares no Maracanã, além do estádio cheio, é claro: a torcida do Flamengo celebrando, jogadores recebendo uma taça e dando uma volta olímpica, a terceira em dez dias, a quinta em três meses. Desta vez, a Recopa Sul-Americana. E o mais notável desta rotina de conquistas é ver a forma como este time reage a novos desafios.

Há uma semana, lidou bem com este respeitável Independiente del Valle na altitude. Nesta quarta-feira, jogou em casa mas com um homem a menos por 65 minutos. E ganhou por 3 a 0. O trabalho de Jorge Jesus tem oito meses, o elenco foi reforçado para 2020. Ou seja, não há motivos para acreditar que o Flamengo bateu no teto.

É raro ver um jogo como o de ontem, com tantas contingências condicionando seus rumos em 20 minutos. Mal a bola rolou e os times apresentaram suas propostas, dois modelos ofensivos, embora antagônicos: o Del Valle afeito a posses mais longas, com seu ataque ocupando zonas específicas do campo. Já o Flamengo de Jorge Jesus com sua pressão, mobilidade e tentativa de chegada rápida ao gol. O jogo era uma lição de que treinadores não se dividem apenas em ofensivos e defensivos. Há matizes diversos.

Gabigol, capítulo à parte

Mas em 20 minutos os equatorianos começaram bem, o Flamengo retomou controle e foi achar o gol num lance fora do roteiro. Mas só até certo ponto, diga-se. No início, seus volantes não acompanhavam a pressão ofensiva e o Del Valle saía jogando com conforto. Até Gerson acompanhar a pressão, a bola ser lançada sem precisão e voltar rapidamente à área do Del Valle. O zagueiro Segovia se precipitou, cabeceou em seu próprio travessão e deu o gol a Gabigol. Aliás, já se falará mais sobre ele.

Se um gol muda um jogo, o que dizer de um gol seguido por uma expulsão dois minutos depois. Arão acertou o peito de Caicedo em lance estabanado e foi corretamente punido. Os planos iniciais já não serviam. Em especial os do Flamengo. Começava outro jogo.

O Del Valle se agarrou ainda mais à posse. E o Flamengo passou a marcar muito mais atrás do que de costume. Jesus sacrificou Pedro para colocar Thiago Maia e o jogo testou uma inquietação recente do Flamengo: o time defendeu muito bem. Os equatorianos tocavam muito, infiltravam pouco.

Eram muito corajosos para atuar dentro do campo do Flamengo, mas não tinham o refinamento técnico rubro-negro. Nem sempre, a execução era à altura das ideias. Mérito também do Flamengo. Filipe Luís e Rafinha combateram bem rivais velozes, ainda que tenham surgido alguns espaços entre laterais e zagueiros rubro-negros.

Só que, mesmo marcando bem, o Flamengo passou a ficar muito tempo sem a bola. Além da boa organização defensiva, o destino do jogo passaria por duas chaves: uma delas, ter momentos de pressão mais avançada, retendo a bola e fazendo valer a qualidade contra um adversário que já defendia pouco; a outra, Gabigol.

É impressionante como a liberdade dada por Jorge Jesus num sistema com dois atacantes o transformou. Ontem, a coragem do Del Valle beirava a insensatez. Num contragolpe, Gabigol avançou sozinho e, adiante, enfrentou a defesa que o perseguia até quase ampliar.

No segundo tempo, movia-se de um lado a outro se oferecendo ao desafogo, combatia, tentava criar. Até arrancar pela direita e cruzar a bola do gol de Gerson.

O Flamengo já pressionava mais à frente, mas levara um susto ainda no 1 a 0. Diego Alves fez grande defesa diante de Faravelli. Após o 2 a 0 e ainda mais após Cabeza ser expulso, o jogo virou mero trâmite. Não para Gabigol, que participou do terceiro, novo contragolpe e novo gol de Gerson. Terminou em festa a Quarta-Feira de Cinzas de um Flamengo em permanente carnaval.