O Maracanã viveu uma de suas noites mais peculiares. Diante das barbaridades do calendário brasileiro, o Flamengo fazia seu segundo jogo de 2020 um mês após encerrar seu 2019. Ou seja, não havia como levar seu time principal a campo. E há algum tempo o clube já deixara claro que assim seria.

Em parte pela curtíssima pré-temporada brasileira, em parte para evitar um constrangimento diante de um rival desfigurado, o Vasco decidiu também se desfigurar. Ou seja, todo o contexto era um convite para que a torcida, assim como os principais jogadores dos rivais, não comparecesse.

Mas houve, nas circunstâncias, um bom público, em especial do lado vascaíno. E também um jogo dos mais divertidos no primeiro tempo — no segundo, o clássico foi muito mal disputado. Tudo isso mesmo com 13 dos 22 jogadores que começaram a partida tendo 20 anos ou menos. Era como um clássico de juniores valendo pelo torneio profissional e com mais de 23 mil pagantes. No fim, venceu o Flamengo por 1 a 0.

Houve erros e precipitações, claro. Mas também chances de gol e ideias de jogo dos dois lados num duelo tático interessante no primeiro tempo. Nem todas as ideias bem executadas, diga-se de passagem.

Pelo lado do Flamengo, Mauricio Souza levou ao Maracanã uma linha defensiva mais radicalmente avançada do que a de Jorge Jesus. Já Abel Braga, talvez por saber a característica do adversário, bolou um plano para explorá-la. Andrey, Marcos Junior e Juninho — o melhor da equipe — formavam um trio de meias, com Lucas Santos à frente deles, ora como vértice de um losango, ora como um “falso centroavante”. Era acompanhado por Ribamar e Tiago Reis na frente.

No início, a defesa adiantada dos jovens rubro-negros criou mais problemas do que soluções. Lucas Santos tentava o último passe ou buscava diagonais para infiltrar às costas da zaga. Iniciou bem, mas foi acumulando erros até sair machucado — Gabriel Pec entrou. O fato é que, no início, o Vasco se fartou de achar as costas dos defensores. Primeiro, porque o Flamengo não acertava a pressão no meio-campo para evitar o passe em profundidade. Segundo, porque sua linha avançava mesmo que o rival tivesse a bola sem marcação próxima. E por vezes o fazia de forma descoordenada.

Chances dos dois lados

É fato que Ribamar estava impedido no lance de seu gol anulado e que, em outras duas jogadas, a linha alta rubro-negra deixou adversários fora de jogo. Mas Tiago Reis e Ribamar perderam enormes oportunidades.

Aos poucos, o Flamengo equilibrou o jogo. Ao se defender com um trio de volantes, o Vasco não cobria toda a largura do campo e, pelos lados, o Flamengo passou a achar espaço. Em especial o lateral Ramon. Ele deu o passe para Luiz Henrique chutar na trave antes de uma bola movida da direita para a esquerda achar o espaço que o Vasco cedia pelos lados. Ramon cruzou e Lucas Silva, entrando em diagonal da direita para o centro da área, escorou para abrir o placar.

O jogo mudava de cara e o contragolpe passava a servir ao Flamengo. O segundo gol andou próximo. O Vasco, ansioso por acionar seus atacantes às costas da zaga rubro-negra, passou a precipitar seguidas bolas longas. Foi se tornando um time sem ideias no segundo tempo. Não ajudou o fato de Abel Braga acumular homens de frente, primeiro com Vinícius no lugar de Marcos Júnior e depois com João Pedro na vaga de Juninho.

Os vascaínos esvaziaram o meio-campo, deram espaços de contra-ataque que o Flamengo não aproveitava. A esta altura, talvez pela juventude, a partida era uma sucessão de decisões erradas. O Vasco não criava e o Flamengo desperdiçava chances de correr com espaço. Num cruzamento, Hugo Moura quase fez contra o gol de empate. Na volta da bola, o Flamengo assustou com Vitor Gabriel.

Diante de um Flamengo que sequer tinha seus reservas imediatos, um Vasco mais experiente e com jogadores que, hoje, são os substitutos do time principal não conseguiu se impor. Mas a noite atípica do Maracanã certamente não é a ocasião ideal para traçar prognósticos para o futuro vascaíno. O Flamengo, por sua vez, venceu um clássico antes que seu 2020, de fato, comece.