‘Eram amigos, foram campeões juntos e morreram juntos’, diz tio de vítima de incêndio no Ninho do Urubu

A amizade entre duas vítimas fatais do incêndio no Ninho do Urubu, iniciada há cerca de dez anos durante os primeiros treinos, ainda no Madureira Esporte Clube, pode ser comparada à fascinante parceria entre Assis e Washington, o famoso casal 20 do Fluminense. Pelo menos é desta forma que Sebastião Rodrigues, tio do lateral-direito Samuel Thomas, vê a amizade do sobrinho com o goleiro Christian Esmerio. Ambos morreram na última sexta-feira no alojamento do Flamengo, onde dividiam o mesmo quarto.

Os primeiros passos no futebol, Samuel deu mesmo no Pavunense Futebol Clube, aos seis anos de idade. Pouco depois, viria a conhecer seu grande amigo, Christian, no Madureira.

— Os dois começaram juntos no Madureira, embora o Christian já estivesse lá primeiro. Eram amigos desde criança, viajavam juntos, foram para Espanha e Portugal. Foram campeões juntos e morreram juntos — diz Sebastião, em meio à lágrimas, enquanto aguardava informações sobre a liberação do corpo do jogador, ainda não identificado, na manhã deste domingo. — Era como se eles fossem irmãos, como se fossem Washington e Assis. Não eram irmãos de sangue, mas pela convivência, pelo amor e pelo carinho, criou-se esse elo.

O jovem Samuel, que era fã do jogador Daniel Alves, estava há cinco anos no Flamengo. Antes, além do Madureira e do Pavunense, também chegou a jogar pelo Vasco e pelo JH. A entrada no rubro-negro, no entanto, foi especial para o jovem e para a família, que mora em São João de Meriti, na Baixada Fluminense.

— Foi uma alegria quando ele chegou no Flamengo. Ele mesmo não acreditava. Depois de um tempo que caiu a ficha dele, que estava no maior clube do mundo. Ele era um flamenguista nato. Tinha amor pelo clube — relembra ele.

Sebastião conta que era uma espécie de treinador especial do sobrinho, embora afirme que "ninguém ensina ninguém a jogar bola". Enquanto as lágrimas escorrem pelo rosto, o tio do garoto relembra com carinho a época em que botava vídeos de jogadores em campo para o sobrinho assistir.

— Era para ele se espelhar nesses jogadores quando chegasse em campo. Eu botava vídeos do Mazinho, do Vasco; do Branco, do Fluminense; e do Léo Moura.

Descaso

Na manhã de domingo, parte da família do menino aguardava informações sobre a liberação do corpo no hotel Ramada, no Recreio dos Bandeirantes. Até aquele momento, o corpo do jovem não havia sido identificado.

— Os legistas são pessoas estudadas, mas mesmo assim não conseguiram identificar o corpo do Samuel e de outro coleguinha que jogava com ele. Tem dois montinhos de ossos bem queimados que cabe numa caixa de sapato. Isso foi o que ouvi falar sobre a dificuldade de se identificar. A gente só quer o que tem do Samuel para fazer o enterro dele. Desde ontem, não temos informações. A diretoria do Flamengo, nada sabe. É um descaso tremendo com a gente – disse Sebastião.

Muito abalado, outro tio do menino, o guarda de trânsito Arthur Rodrigues, afirmava que a tragédia poderia ter sido evitada.

— Faltou um pouco mais de responsabilidade e vigilância do clube. Não estamos aqui para falar mal do Flamengo. Apenas falando a nossa opinião — opina Arthur, indagando também sobre a falta de saídas de emergências e acompanhamento de adultos no local. — A gente fica na angústia, sem ter o que fazer. A gente não tem nem chão pra pisar mais. Só Deus agora para trazer a solução.

Segundo os familiares, o desejo de Samuel era dar uma casa para mãe. Para isso, os planos do jovem era avançar o quanto antes na carreira.

— Ele falava que ia decolar esse ano no futebol, que ia explodir. Além da casa da mãe, ele dizia que ia me dar uma também. Estive com ele sábado em Lage de Muriae, onde eu moro e onde ele passava as folgas. Agora nem meu sobrinho eu tenho mais. Só restou um pouquinho de osso queimado que nem sabem dizer se é dele. O meu projeto com ele não era esse que estamos passando hoje — lamenta Sebastião.

Fonte: https://extra.globo.com/esporte/flamengo/eram-amigos-foram-campeoes-juntos-morreram-juntos-diz-tio-de-vitima-de-incendio-no-ninho-do-urubu-23442796.html

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