Matheus Brum: “Não podemos ignorar os erros do Flamengo e esquecer dos garotos”

Olá, companheiros e companheiros de Coluna do Fla. Finalmente, a temporada 2020 começou para nós. Não da maneira que queríamos, sem a possibilidade de ver o Flamengo em campo pela televisão, mas com a certeza de que disputar o Carioca com nossos garotos vai ser fundamental para vermos quais poderão fazer parte do elenco ao longo da temporada.

Por falar em garotos, quero trazer, hoje, a discussão muito delicada, mas que é necessária voltar às mesas rubro-negras: o incêndio do Ninho do Urubu, que completa 1 ano no próximo mês. Infelizmente, até agora, quase nada foi feito, tanto para indenizar as famílias, quanto para descobrir o(s) culpado(s) pelas mortes dos dez garotos das categorias de base.

Na semana anterior, duas notícias reacenderam este debate nas redes sociais (confesso que não vi nada sendo retratado nos programas esportivos das TVs e rádios). A primeira foi a entrevista que a mãe do Rykelmo concedeu à BandSports dizendo que o Flamengo só fez o pagamento de dois meses de pensão. Lembrando que estas pensões, no valor de R$10 mil foram estipuladas por causa da demora no acordo final das indenizações. A segunda, foi a matéria feita pelo jornal O Dia, confirmada pela reportagem do Uol, de que cinco jogadores sobreviventes do incêndio foram desligados do Mais Querido em um processo de reestruturação.

No primeiro caso, um conselheiro do clube postou no Twitter uma cópia de um pagamento à mãe de Rykelmo que está anexado, segundo ele, nos autos do processo. Este extrato bancário, em tese, desconstrói a narrativa de que o Flamengo não fez o pagamento. Entretanto, fui até o site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, entrei no processo indicado pelo conselheiro, mas não consegui achar nenhum extrato bancário. Ele pode ter conseguido à cópia indo direto ao Fórum e olhando o processo, ou, também, ter conseguido a foto com algum advogado do clube. Fiz este questionamento pelo Twitter, como podem ver abaixo, contudo não tive resposta. Não estou, neste caso, dizendo quem está certo ou errado. Mas, há uma denúncia e ela deve ser apurada pela imprensa, pelos órgãos de justiça e Ministério Público.

No segundo caso, não houve um posicionamento do Flamengo sobre o tema. Aliás, há muito tempo o clube não diz nada sobre o caso. Parece, em uma análise de espectador, que o clube deseja que a morte dos garotos seja esquecida, principalmente pela boa fase que o time atravessa em campo, pulverizando recordes e conquistando títulos.

Entretanto, nós torcedores – e jornalistas também, como meu caso – não podemos deixar que o incêndio do Ninho do Urubu caia no esquecimento. O Flamengo, neste período, cometeu diversos deslizes. O mais importante, ao meu ver, foi não ter resolvido, de cara, a questão da indenização. Vamos lembrar que, em fevereiro, nossos cartolas negaram a proposta de diversos órgãos públicos, entre eles Ministério Público e Defensoria Pública, que previa pagamento de R$ 2 milhões de indenização e R$ 10 mil mensais até 45 anos. Venhamos e convenhamos que foi uma gigantesca bola fora e falta de humanidade para um clube com orçamento de quase R$900 mi no ano. Só de indenização, daria em torno de R$20 mi, o que representa pouco mais de 2% do que o clube arrecadou em 2019. Ou seja, praticamente nada. Como não houve o acerto, a novela começou e se arrasta até hoje.

“Ah, mas as famílias estão com advogados mercenários que querem tirar dinheiro do clube”. O dano indenizatório é incalculável, até porquê não há uma definição de quem é a culpa pelo incêndio. O Flamengo tinha que ter evitado, justamente, o processo judicial. Deveria ter aceitado de prontidão o acordo proposto pelo MP. Agora, uma vez que há a disputa jurídica é direito de ambas as partes lutarem pelo o que é melhor para elas. E quem vai bater o martelo, literalmente, é o juiz, decidindo, assim, quem está certo.

“Ah, mas o Flamengo propôs um pagamento indenizatório acima do que a jurisprudência determina em casos de acidentes”. Esta é outra fala comum de se ouvir. Vamos lá. Primeiro que o Flamengo não é uma empresa (clubes de futebol são Organizações Sociais, sem fins lucrativos), logo pode haver uma diferença no sentido jurídico da coisa. Segundo que o clube tem uma responsabilidade social, então precisava ter um posicionamento mais firme. Terceiro que financeiramente o caixa rubro-negro está em condições de pagar qualquer tipo de indenização pedida. E qualquer valor é justo diante do que aconteceu. Poderia ter seguido a primeira orientação do Ministério Público e resolvido a questão em poucas semanas.

“Ah, mas o Flamengo não pode se posicionar porque o processo está em segredo de justiça e qualquer fala pode prejudicar o processo”. Mais uma premissa equivocada. O Flamengo pode assumir uma postura de não falar sobre as investigações em curso e as negociações com as famílias. Mas, deve se posicionar quando uma mãe diz que o clube não está cumprindo com suas obrigações e quando há a dispensa de cinco jogadores que sobreviveram ao incêndio. Até porque, em ambas as questões, há respostas que precisam ser dadas, nem que seja para desmentir os autores das afirmações. No caso das demissões, principalmente. Por que os meninos não podem mais fazer parte do elenco? Será que a tragédia não interferiu no desempenho deles? Até que ponto o trabalho psicológico realizado foi satisfatório? O clube vai prestar alguma ajuda a partir de agora (além da psicológica, como dita na matéria)? Muitas questões, nenhuma resposta!

A diretoria do Flamengo precisa ser transparente neste caso. Desde o início falta transparências nas ações do clube. Ganhamos Libertadores e Campeonato Brasileiro e nenhuma homenagem foi feita aos garotos. Nas redes sociais, nada. Nenhum cartaz, busto, foto, placa, nada há na Gávea sobre o caso. O clube não desenvolve nenhuma ação com as famílias que já toparam o acerto financeiro. Simplesmente, como disse no início, parece que há uma tentativa de esquecer o que aconteceu.

Só que, infelizmente, uma boa parte da torcida comprou este discurso. As homenagens e os gritos pedindo justiça cessaram. Vamos esquecer da maior tragédia da história do Flamengo por causa de uma boa fase do time? E se tivéssemos mal, como seria? E se o que aconteceu no Ninho tivesse rolado no CT do Corinthians, do Palmeiras, do Vasco, do Fluminense ou de qualquer outra equipe? Nós, hoje, teríamos a mesma postura? Se a resposta é “não”, então mostra que jogamos os garotos para debaixo do tapete por causa dos títulos. E aí, meu amigo e minha amiga, sendo sincero, trocaria todas as emoções de 2019 pelo mínimo de justiça para com os mortos no incêndio.

O Flamengo teve tudo para sair como um clube mais gigante do que é! Poderia ter se posicionado rapidamente – Landim demorou mais de duas semanas para fazer o único pronunciamento dele sobre o caso -, poderia ter pago as indenizações, poderia ter criado uma ala dentro da Gávea para homenagear os garotos, poderia ter feito algo para preservar a História de cada um, poderia ter cobrado um posicionamento mais firme da Polícia Civil para investigar com mais agilidade as causas da tragédia. Aliás, é um absurdo que até hoje as forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro não consigam divulgar para a sociedade o real motivo do incêndio.

Incrível também como boa parte da imprensa esportiva ajudou a esquecer o caso. As matérias sobre o incêndio ou sobre a vida dos garotos que morreram e que sobreviveram foram ficando escassas a cada mês. Parece que há um receio de tocar no assunto, como se fosse algo proibido ou que trará uma série de problemas. No entanto, o papel do jornalista – e por isso estou escrevendo este texto, correndo risco de ser xingado até a minha 15ª geração – é colocar o dedo na ferida, independentemente de estarmos falando do clube que amamos.

Sou contra que usem os garotos para poder diminuir nossos ganhos no campo e bola. Isso é cruel e covarde. Agora, é preciso que a torcida volte a cobrar do clube um posicionamento sobre o caso. Não podemos cair nas desculpas esfarrapadas de que as famílias são culpadas pela demora no pagamento da indenização, de que apenas a PC é culpada pela falta de informações sobre os culpados do incêndio, e de que qualquer pessoa que fale sobre o caso deseja o mal para o clube.

Quem faz isso está passando pano! Está ajudando a deixar esquecida uma história horrível! O Flamengo precisa sair desta história mais gigante do que é, liderando um processo de melhoria da estrutura das categorias de base, de mais respeito pelos garotos que têm no futebol o sonho de uma vida melhor, de apoio às famílias destes adolescentes que – na sua maioria – são de áreas pobres dos quatro cantos do Brasil. Só que, até agora, o clube prefere ser pequeno. E você pode estar sendo conivente!

Que a estrela dos garotos nunca deixe de brilhar no céu rubro-negro. E que a Justiça seja feita, pelo bem do Flamengo, do futebol e, principalmente, das famílias que tanto sofrem. Antes de apontar o dedo, chamando alguns de mercenários, busque se colocar no lugar deles, na dor que estão sofrendo há quase um ano e que se manterá para o resto da vida. Tente entender também o contexto social e econômico de cada um. Quem sabe assim, você possa mudar de ideia e fazer coro para que o clube resolva de maneira digna e vire a página mais triste da nossa brilhante História.

Matheus Brum
Jornalista
Twitter: @MatheusTBrum

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Fonte: https://colunadofla.com/2020/01/matheus-brum-nao-podemos-ignorar-os-erros-do-flamengo-e-esquecer-dos-garotos/

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