Na noite do fatídico empate com o Botafogo, o técnico Zé Ricardo custou a dormir. Em sua mente, rodava os gols do botinha, depois do Mengão estar ganhando por três a um. Sabia que seria massacrado por parte dos torcedores e da imprensa, principalmente porque chegara a usar quatro volantes e acabara o jogo sem nenhum jogador de criação.
“Mas a ideia era boa! Era ter a posse de bola e segurar o resultado. Se tivesse ganhado o jogo, ninguém falaria nada e era até possível ser elogiado pelas substituições”, pensava.
Não sabia ao certo se ainda estava acordado ou dormindo. Só sabia que aquele cara, na sua frente, era o famoso Cláudio Coutinho, ex-preparador físico e técnico da seleção brasileira e do Flamengo, time pelo qual torcia. E Coutinho falava com ele:
– Zé, eu estou vindo lá da casa do Zagalo, meu parceiro de outras épocas, e nós conversamos muito sobre você e o atual time do Flamengo.
– Sobre mim? E qual era o assunto?
– O assunto é que você, com certeza, será um grande treinador. É estudioso, boa praça, os jogadores fecham contigo. Mas você tem que lembrar sempre que não é mais técnico dos juniores e, sim, do profissional. Nós sabemos que não é fácil ser técnico do profissional do Flamengo.
– O que você quer dizer exatamente?
– Seguinte, Zé: o Flamengo é o maior time do mundo, com a torcida mais apaixonada, acostumada a grandes conquistas, a ver o time lutar até o fim pela vitória. Até os mais novos, que não viram o Zico jogar, sentem a influência daquela geração e pensam do mesmo modo. Por enquanto, ainda têm paciência com algumas substituições e teimosia que você vem apresentando, principalmente porque você ganhou a Copinha, é novo e é da casa. Mas uns dois ou três jogos iguais ao de hoje, contra o Botafogo, e vão lhe fritar.
– Mas, Coutinho, eu queria segurar o resultado!
– Esse é o erro no Flamengo, Zé! Quando eu era técnico, ensinava aos jogadores que futebol é igual ao boxe. Se você acerta um soco no adversário, tem que partir para cima, até nocautear. No futebol, quando faz um gol, tem que tentar o segundo, o terceiro, o quarto…Você pode até perder um jogo, mas nunca por covardia. Pode perder tentando ganhar. Isso é o Flamengo.
– E o que você me aconselha mais?
– Faz igual ao Zagalo fez na Copa de 70. Seus melhores jogadores eram de uma só posição, meio campo. E o que ele fez: pegou o Piaza e colocou de zagueiro, deixou Clodoaldo e Gérson no meio, pegou Jairzinho e colocou na ponta direita, pegou o Tostão e colocou de centroavante, pegou o Rivelino e botou na ponta esquerda. Eram quase todos camisa 10 em seus times e todos jogaram naquela seleção. Pelé, é claro, ficou com a 10 mesmo, porque de burro o Zagalo não tinha nada.
– Mas meus jogadores não são tão bons quanto aqueles!
– Claro que não, Zé! Mas você pode, ao menos, atender parte do apelo da torcida. Quer manter o Márcio Araújo, embora todos peçam o Cuellar, tudo bem. Mas, pelo amor de Deus, contra o América Mineiro, tira o Cirino e bota Alan Patrick e Mancuello para jogarem juntos.
Foi aí que Zé Ricardo acordou.
Mauro Veríssimo
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