Por: Tulio Rodrigues
No dia 03 de abril de 2013, a torcida do Flamengo comemorava nas redes sociais a obtenção de todas as certidões negativas de débito, as famosas CND’s. O assunto dominou o dia, e nem a magra vitória contra o Remo na estreia da Copa do Brasil por 1 a 0, ofuscou o feito. Os rubro-negros foram até rotulado pelos adversários: “agora só comemoram certidão”.
Sim, naquele momento, a torcida comemorava cada ação fora dos gramados da diretoria e além de mostrar apoio, concordavam que a prioridade era ‘arrumar a casa’, o que incluía as finanças. Com uma dívida de R$ 750 milhões, a sabia-se que a tarefa não seria nada fácil.
A “Chapa Azul” havia recebido um clube desorganizado, devedor e com pouca credibilidade. O passivo fiscal, tributário e trabalhista do Flamengo era um dos maiores do Brasil. As receitas eram penhoradas e salários atrasados constantemente.
Com as CND’s, o clube conseguiu firmar o patrocínio com a Caixa Econômica Federal, desbloquear as penhoras nas receitas oriundas de bilheteria e participar de programas de Lei de Incentivo. Os Esportes Olímpicos se beneficiaram bastante disso na época.
Novas receitas foram criadas: o programa de sócio torcedor, captação de patrocínios (o Fla estava sem patrocínio master no Manto Sagrado desde o fim de 2010) e bilheteria, que agora não era mais penhorada.
Além dos números e dos conceitos básicos de finanças em gastar menos do que se arrecada, cabe lembrar que a direção teve que fazer escolhas e que essas escolhas foram determinantes para demonstrar o nível de prioridade daquele momento, que era de pagar dívidas, criar créditos e organizar todo financeiro. Para isso, cortes significativos foram feitos: devolução de Vagner Love ao CSKA, demissão de atletas de renome nos esportes olímpicos e o fim da categoria adulta de algumas modalidades, por exemplo.
Outro fator importante, foi o comprometimento do clube junto aos órgãos fiscais. Para demonstrar que o equacionamento das dívidas era uma prioridade maior, destinou R$ 38 milhões das luvas pagas pela Adidas para a Fazenda. Acordo feito ainda em dezembro de 2012, no dia da posse de Eduardo Bandeira de Mello. Depois, o clube ainda pegou mais R$ 18 milhões, dinheiro recebido pela concessão do Morro da Viúva para a REX, empresa do Grupo EBX, de Eike Batista, para diminuir o seu passivo financeiro. Isso custou o atraso nas obras do Centro de Treinamento. O preço em campo era grande, poucos investimentos foram feitos reforçar a equipe.
No primeiro ano, alguns resultados foram importantes. A receita foi de R$ 267 milhões, R$ 59 milhões a mais que 2012. O resultado operacional foi positivo em R$ 26 milhões, enquanto que na gestão passada houve um déficit de R$ 10 milhões. O déficit do exercício foi de R$ 19 milhões, distante dos R$ 62 milhões do último ano da gestão de Patrícia Amorim.
Em 2014, a diretoria seguiu com seu planejamento. O título da Copa do Brasil deu maior alívio nas cobranças por resultados no futebol, que ainda carecia de maiores investimentos. A prioridade ainda era pagar dívidas. No fim da segunda gestão de Eduardo Bandeira de Mello, a diminuição da dívida chegou em R$ 90 milhões, ficando na casa dos R$ 660 milhões.
Eduardo Bandeira de Mello se envolve ainda mais no debate em torno do Profut, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro. O mandatário do Flamengo passa a ir a Brasília com frequência e coloca o clube como um dos protagonistas e sua aprovação seria importante no futuro. Procurando se antecipar, os conselheiros do clube aprovaram a Lei de Responsabilidade Fiscal Rubro-Negra, uma das exigências de adequação ao programa.
O Profut ainda foi tema no debate eleitoral entre Eduardo Bandeira de Mello, que buscava à reeleição e Wallim Vasconcellos, seu antigo aliado, em 2015. O presidente ganhou muita evidência com o programa e dentre outras particularidades, venceu o pleito daquele ano com folga e seguiu à frente do Flamengo por mais um triênio.
Continuando em 2015 e no Profut, com a sanção da presidente Dilma Rousseff, o Flamengo, que já atendia todos os requisitos, conseguiu alongar quase R$ 300 milhões em dívidas por 20 anos. Um alívio considerável no seu endividamento.
O fim da primeira gestão de Eduardo Bandeira de Mello foi com saldo positivo. O faturamento nesse ano chegou a R$ 350 milhões e o endividamento ficou na casa dos R$ 554 milhões. A dependência das cotas de TV também diminuiu. Em 2012, 54% da receita era oriunda dos direitos de transmissão, já em 2015, 37%.
Os objetivos planejados nesses primeiros três anos foram alcançados. Em apresentação no lançamento da candidatura de Eduardo Bandeira de Mello, Cláudio Pracownik, vice de finanças que substituiu Rodrigo Tostes, fez as projeções. Na ocasião, ele disse ainda que, 2016 seria o ano em que, pela primeira vez, o faturamento do clube seria maior que sua dívida.
VÍDEO: Vice-Presidente de Finanças Cláudio Pracownik fala no lançamento da Chapa Azul
Buscando cumprir A promessa de campanha, a gestão de Eduardo Bandeira de Mello aumentou o investimento no futebol. Em 2016, Diego Ribas foi contratado; 2017, Everton Ribeiro e Diego Alves; em 2018, chegou Vitinho, quebrando recorde de compra mais cara da história do clube. Há um detalhe aí: todos contratados no segundo semestre de cada ano.
O clube também começou a investir nas categorias de base. Tudo que o futebol profissional recebia, também era oferecido aos jovens. Isso foi dando resultados e a direção conseguiu mais uma maneira de obter receitas: com venda de atletas. Em 2013, a receita com vendas era quase zero, já entre os anos de 2016 e 2018, foi de R$ 217 milhões. Uma mudança considerável.
Tudo isso só foi possível com o equacionamento das suas finanças. Após conseguir, pela primeira vez, fechar o ano com um faturamento maior que a dívida, novas áreas foram ganhando prioridade de investimento além do futebol e do pagamento de débitos. Em 2016, a receita foi de R$ 490 milhões e o endividamento fechou em R$ 472 milhões. Com isso, o primeiro módulo do Centro de Treinamento foi inaugurado. R$ 15 milhões foram investidos na obra.
Em novembro 2017, o Flamengo deixou o Ato Trabalhista após a quitação de mais de 650 ações. Foram mais R$ 130 milhões pagos. O valor orçado em 2012 era de R$ 193 milhões em dívidas. Uma vitória e tanto para a imagem do clube e suas finanças. No fim de 2018, é inaugurado o segundo módulo do CT, R$ 25 milhões foram investidos nas obras. O Ninho do Urubu passou a ser considerado uma das melhores estruturas da América Latina.
Fechando 2018 com um faturamento de R$ 538 milhões e com R$ 455 milhões em dívidas, o ano de 2019 passou a ser de agressividade no mercado da bola. Isso se deu por conta das verbas advindas das vendas de Vinícius Jr ao Real Madrid, e Paquetá, ao Milan. A nova direção, liderada por Rodolfo Landim, abriu a temporada com dinheiro em caixa. No primeiro semestre vieram Gabigol, Bruno Henrique, Rodrigo Caio e Arrascaeta. No segundo, Gerson, Rafinha, Pablo Marí e Filipe Luis chegaram para conquistar o Brasileiro e a Libertadores. Foram mais de R$ 257 milhões investidos na aquisição de direitos econômicos de jogadores.
O faturamento foi na casa de R$ 950 milhões. Quase o dobro de 2018, quando o clube arrecadou R$ 543 milhões. A projeção para 2020 já era ultrapassar R$ 1 bilhão, mas não foi o que aconteceu. Por conta da pandemia da Covid-19, a temporada se deu com a ausência de bilheteria e da queda do sócio torcedor. O orçamento teve que ser revisto.
O Flamengo arrecadou em 2020, R$ 756 milhões, 20,5% a menos do que o ano anterior. O prejuízo foi de R$ 106 milhões. Não à toa, o clube foi quem liderou pelo retorno das atividades do futebol e do público, o que só ocorreu no ano seguinte. O sonho do faturamento de 1 bilhão foi retardado para o ano seguinte.
Mesmo ainda sofrendo com o impacto da pandemia, a direção do Flamengo conseguiu mudar o cenário em 2021 e pela primeira vez, no Continente Sul-Americano, um clube ultrapassou a marca de R$ 1 bilhão em receitas, mais precisamente, R$ 1,082 milhões, mas com uma observação. Parte dos valores se deve a contabilização do Brasileirão de 2020, mas nada que altere a importância do que foi alcançado.
Parte dessa recuperação com relação a 2020, se deve ao crescimento da receita de marketing. A pasta saltou de R$ 143 milhões para R$ 241 milhões em arrecadação, sem contar o que foi alcançado com Matchday. Mais comedido no mercado, o Flamengo diminuiu o gasto com direitos de jogadores em 2021. Foram R$ 190 milhões com aquisições, pagamentos de comissões e luvas.
— O investimento em direitos econômicos foi menor do que em anos anteriores, embora esse efeito não se reflita no fluxo de caixa, já que, como é praxe na indústria para clubes com boa credibilidade financeira, parte do pagamento de transações de compra e venda de atletas é parcelada. Para ilustrar essa diferença, vale notar que o Flamengo desembolsou R$ 190 milhões no pagamento de direitos econômicos em 2021 (incluindo pagamentos relativos a contratações novas e antigas), o maior valor da série histórica, a despeito do valor relativamente baixo de investimento em novas contratações quando comparado com os dois anos anteriores —, diz um trecho do relatório publicado pelo Flamengo.
Outro destaque foi a diminuição da dívida. Depois de um aumento em 2020, quando chegou a R$ 480 milhões, houve uma redução significativa para R$ 263 milhões, valor semelhante a 2017, com R$ 260 milhões.
O objetivo aqui é trazer a evolução dos últimos 10 anos da gestão financeira do Flamengo, mas o ano de 2022 ainda não fechou, entretanto, a diretoria divulga trimestralmente o balanço financeiro – o que é feito desde 2013. O último relatório, datado de 31 de setembro, registrou uma receita bruta de R$ 834,1 milhões e a expectativa interna de superar a marca de R$ 1 bilhão. Até ali, o Rubro-Negro ainda não havia conquistado a Copa do Brasil e a Libertadores. Só em premiações, o clube deve receber pelo título continental, R$ 85 milhões, mais R$ 36 milhões pelo quinto lugar do Brasileirão e por fim, R$ 76 milhões pelo troféu do torneio nacional após bater o Corinthians na final. A dívida foi diminuída em R$ 10 milhões.
Ao longo desses 10 anos, o Flamengo foi amplamente premiado pela sua transparência, pela sua gestão administrativa e financeira. Em 2019, como planejado por Cláudio Pracownik lá em 2015, o clube foi auditado por uma “Big Four”, nome que é dado para as quatro maiores empresas contábeis especializadas em auditoria do mundo. As contas foram auditadas pela EY (Ernst Young), que havia se negado a fazer o mesmo em 2013. Foi um certificado e tanto de credibilidade para o clube.
Qualquer análise ou pesquisa sobre os dados financeiros do Flamengo nos últimos 10 anos, não pode se resumir somente aos números friamente, mas também as ações tomadas pelos administradores. Desde 2013, decisões nada populares foram tomadas, cortes e demissões feitas, o investimento no time de futebol ficou em segundo plano… Ou seja, não foi da noite para o dia como alguns fazem parecer. O clube só alcançou o patamar atual através de muito esforço interno e externo, pois a torcida abraçou o projeto e teve papel fundamental nos resultados financeiro, que se refletem nos títulos conquistados no campo.
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