Explicar como o clássico entre Flamengo e Fluminense pode ser decidido em detalhes é ter que encontrar uma resposta para como Jhon Arias, de 1,72m, conseguiu vencer no jogo aéreo os grandalhões Gustavo Henrique, de 1,93m, e Léo Pereira, de 1,89m, e Isla (esse mais baixo) para decidir a vitória. Algo tão improvável que parece escrito a dedo para acontecer em um Fla-Flu.

Ontem, a vitória por 1 a 0, no Nilton Santos, pela quarta rodada da Taça Guanabara, traz um roteiro que reafirma a dominância tricolor em clássicos recentes.

Em si, desde 2019, os Fla-Flus tem vivido de situações tão improváveis que chegam a ser surreais. Afinal, o milionário Flamengo tem empilhado títulos desde então e parece só ter dois adversários no país — o Palmeiras e o Atlético-MG. Como quem não quer nada, eis que o Fluminense aparece como uma pedra no sapato e já amplia a sua série de vitórias (são três seguidas) e se notabiliza como o adversário que mais venceu o rubro-negro desde a sua “segunda era de ouro”. De lá para cá, são sete triunfos tricolores — o São Paulo, com três, é o segundo colocado.

Neste roteiro digno de Fla-Flu, até mesmo os personagens principais tem as suas jornadas de herói. Arias, o autor do gol, chegou a ser sondado pelo Santa Fe, da Colômbia, e poderia ter deixado o Fluminense nesta janela de transferência. A proposta oficial, porém, nunca chegou até a diretoria tricolor, que via o jogador como negociável. Ficou. E nesta Taça Guanabara já são dois gols anotados.

Marcos Felipe, tão criticado pelos torcedores e cobrado pela reserva após a contratação de Fábio, brilhou no clássico. No primeiro lance da partida, um milagre contra Gabigol. No último, outra excelente defesa contra o camisa 9 do Flamengo para deixar até mesmo o ex-goleiro do Cruzeiro boquiaberto. Se era tão cobrado por falhar em momentos decisivos, esse argumento cai por terra.

Já Abel Braga pode respirar aliviado, como alguém que três dias após ser vaiado vê os mesmos torcedores gritando seu nome após mais uma vitória sobre o maior rival. Quem diria que o considerado ultrapassado treinador venceria o duelo contra o aclamado europeu Paulo Sousa.

— Para você ver como é o futebol: primeiro tempo corremos atrás do Flamengo e tivemos mais finalizações e melhores contra-ataques. No segundo tempo tivemos mais controle do jogo e finalizamos menos. Por isso o futebol é essa loucura — declarou o treinador.

Por falar no técnico português, é preciso entender qual rumo ele pretende dar para esse Flamengo. O esquema de 3-5-2, que começou com Filipe Luís fazendo uma linha terceiro zagueiro, não tardou para se misturar com um 4-1-4-1 clássico, com o lateral-esquerdo mais avançado. O problema é que isso não foi feito de maneira coordenada, e em vários momentos parecia que o rubro-negro estava desajustado em campo.

A leitura tática pode não ter enchido os olhos, mas Paulo Sousa merece elogios por ter feito a de momento de forma perfeita: retirou Diego e Andreas quando ambos pareciam estar próximos de serem expulsos. Quem entrou, porém, pouco acrescentou.

— Com as mudanças, o time perdeu identidade. Alguns jogadores não entenderam o que era para ser feito. Foi um segundo tempo diferente, uma equipe que aconteceu, como no último ano, desorganizada — disse Paulo Sousa.

Se a atuação do Flamengo deixou a desejar, a do Fluminense mais ainda. Ao todo, foram apenas três finalizações contra a meta de Hugo, muito pouco para quem contratou com o desejo de se tornar protagonista. Mas venceu, com um gol improvável, o que alivia as críticas momentâneas. Ainda sim, preocupa a longo prazo.

Flamengo e Fluminense estão de mãos dadas no árduo processo de evoluir o mais rapidamente possível. Os rubro-negros precisam estar em forma até dia 20, quando enfrentam o Atlético-MG na Supercopa do Brasil. Já os tricolores, até dia 22, quando pega o Millonarios, da Colômbia, na pré-Libertadores. Pelo que foi visto hoje, há muito caminho a ser percorrido.