A atleta denuncia que, em várias ocasiões, o auxiliar se expressou de maneira inadequada e com teor sexual no ambiente de trabalho do clube. Em um dos episódios, a judoca relata que Renan, na frente de outros atletas, afirmou que “as mulheres lésbicas sabem satisfazer uma pessoa e que o sonho dele é fazer um ‘ménage’ com um casal de mulheres lésbicas”, em uma clara alusão a ela e à sua namorada, também judoca do Flamengo. Segundo ela, isso aconteceu durante um treinamento.
Em outro contexto semelhante, a carta descreve que Renan se referia ao corpo de outras atletas: “”. Comentários semelhantes também foram feitos online.
Ela prossegue: “Outro episódio absolutamente inadequado para o ambiente de treino e do clube, Renan Moutinho comentou sobre seu relacionamento anterior, sem que eu tivesse perguntado ou demonstrado qualquer interesse. Ele queria compartilhar detalhes da intimidade sexual dele com a ex-esposa e como se relacionavam na cama. Em outras ocasiões, ele me mostrou o perfil de algumas mulheres nas redes sociais, perguntando o que eu achava delas, com claras insinuações sexuais. Nessas situações, ele me questionava como eu agiria se conhecesse essas mulheres. Todos esses comentários muito desrespeitosos”, conclui.
A atleta manteve segredo dos acontecimentos nos primeiros meses de 2024. A primeira pessoa com quem compartilhou a história foi sua namorada, que, indignada, faltou aos treinos comandados por Renan e insistiu para que algo fosse feito.
No dia 08 de abril, a atleta revelou toda a situação vivida nos últimos meses para a psicóloga do Flamengo, Adriana Lacerda, que pediu autorização para informar à head coach Rosicléia Campos. No dia seguinte, a judoca e sua namorada estariam com a delegação do Flamengo para um período de treinamentos até o dia 18 em Pindamonhangaba, interior de São Paulo.
O clube se uniu à Seleção Brasileira, visando a preparação para o Pan-Americano e os Jogos Olímpicos de Paris. Em 05 de abril, pelo WhatsApp, uma das atletas, temendo a presença de Renan, questionou diretamente o gerente João Pântano sobre quais treinadores estariam na viagem. A treinadora foi questionada por outro atleta em um grupo. Segundo elas, receberam a informação de que dois treinadores participariam, mas os nomes não foram revelados.
Ao chegarem em Pindamonhangaba, no dia 09, descobriram que Renan seria um dos treinadores, mesmo com Rosicléia Campos tendo conhecimento prévio do ocorrido. Fontes informaram que elas já sabiam que ele seria um dos responsáveis pelas atividades em São Paulo. Os dias seguintes foram marcados por muitas dificuldades para o casal, que, obrigado a conviver com o auxiliar técnico, enfrentou crises de ansiedade, insônia e a sensação de não estarem sendo protegidas e preservadas como deveriam. A situação se espalhou nos bastidores dos treinamentos e outros atletas também tomaram conhecimento do assunto.
No dia 12, após uma crise de ansiedade intensa, a judoca conversou diretamente com Rosicléia Campos sobre o ocorrido, sem a presença da psicóloga do clube. Pouco antes do treino das 15h, chorando, a atleta entrou no quarto da head coach pedindo a retirada de Renan da Comissão Técnica. Incapaz de treinar, a treinadora dispensou o casal das atividades daquele dia e afastou o auxiliar dos treinamentos da equipe feminina.
Fontes internas revelaram que Rosicléia voltou de São Paulo no dia 13 e convocou o gerente João Pântano e a psicóloga Adriana Lacerda para tomar as primeiras medidas sobre o caso. Também houve reuniões da treinadora com o diretor dos Esportes Olímpicos do Flamengo. Ficou decidido que uma reunião seria realizada após o retorno das atletas da viagem.
No dia 18 de abril, após o retorno de Pindamonhangaba, a atleta, acompanhada da namorada e da sogra, se encontrou com João Pântano e Rosicléia Campos. Nesse encontro, o gerente a aconselhou a não registrar um boletim de ocorrência na polícia, mas seguir os procedimentos internos do clube, pois, segundo ele: “”. Seguindo as orientações, a judoca entregou a carta ao RH no dia 22. No documento, além de seu relato, são listadas as testemunhas a serem ouvidas e anexos com comentários de Renan no Instagram sobre outras atletas. O clube deu um prazo de duas semanas para investigar o caso e as afastou dos treinamentos até o dia 07 de maio.
ASSÉDIO SEXUAL NO AMBIENTE DE TRABALHO, ONLINE (REDES SOCIAIS) E A DIFERENÇA DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
Tamara Anselmo explica que o assédio sexual, tipificado no art. 216-A do Código Penal, pode ocorrer em diversas relações, não se restringindo apenas ao ambiente de trabalho. O agressor, em posição superior, pode constranger a vítima com propostas e convites indecorosos, incluindo situações online, como nas redes sociais.
Ela destaca a distinção entre assédio sexual e importunação sexual, ressaltando que o primeiro envolve o uso de poder hierárquico para constranger a vítima, enquanto o segundo exige atos libidinosos contra a vítima. A advogada finaliza explicando a importância de diferenciar esses crimes no Código Penal Brasileiro.
Renan da Silva Moutinho, 37 anos, é atleta sênior do judô do Flamengo, atuando informalmente como auxiliar técnico. Ele possui um histórico de conquistas no esporte e está em sua segunda passagem pelo clube, sendo conhecido por apresentar descontrole emocional durante os treinamentos.
Fontes ligadas ao clube afirmam que Renan mistura aspectos pessoais e profissionais, tratando as mulheres com expressões carinhosas e discutindo abertamente temas sexuais, inclusive detalhes de sua vida íntima. Antes dos eventos deste ano, ele mantinha uma relação profissional e amigável com a atleta que fez a denúncia e sua namorada.
Em janeiro de 2024, Renan se tornou estagiário/auxiliar técnico e passou a ter maior responsabilidade nos treinamentos, mesmo sem formação adequada. Antes de ser demitido, o treinador principal Vinícius Morato vinha perdendo espaço na rotina da modalidade.
Em fevereiro, Rosicléia recebeu maior autonomia no judô e tomou medidas técnicas para melhorar as atividades dos atletas. Uma dessas medidas foi afastar Vinícius Morato de alguns treinos e viagens, o que gerou mudanças na dinâmica das atletas.
A atleta que fez a denúncia negociou sua rescisão de contrato com o Flamengo, seguindo em sua carreira após passar por acompanhamento psicológico. Renan permanece afastado do clube, mas há expectativa de que retorne como treinador profissional no futuro.
A pesquisa da ONG Think Eva destaca os impactos do assédio sexual no ambiente de trabalho, incluindo a perda de autoconfiança e o impacto negativo na performance profissional das vítimas. A impunidade e o medo são apontados como as maiores barreiras para a denúncia do assédio.
O Flamengo realizou campanhas para combater o assédio, incluindo ações durante jogos e a criação de canais de denúncia. O clube reiterou sua posição de repúdio a qualquer forma de assédio e discriminação, destacando a importância da preservação do sigilo nas investigações internas.
Publicado em colunadofla.com
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