Em várias oportunidades aqui no Coluna do Flamengo, demonstrei a minha desconfiança e (não raro) insatisfação com as expectativas geradas em relação ao volante moderno. Embora cultuado e admirado pelo futebol exuberante, na maioria das vezes o volante moderno não apresenta as mesmas qualidades quando está sem o domínio da bola. Sabendo disso, tenho a preferência pelo volante clássico, pelo fato destes jogadores em geral serem excelentes marcadores, apesar de algumas limitações técnicas com a bola. Pois bem: sou duramente criticado e contestado por isto! But not today: hoje, iremos ter uma visão mais aprofundada de como surgiu este mito…
Todo garoto sonha em ser jogador de futebol. E em seus delírios e desvaneios, ele é o protagonista de lances monumentais, com intensa participação, dribles desconcertantes, jogadas de efeito e claro, muitos gols. O que muitos já devem imaginar, este mesmo sonhador não se imagina realizando ações “menos nobres” durante uma partida: a marcação. Por isso, a grande maioria dos garotos que se candidatam a serem jogador de futebol, declaram jogar em posições com características ofensivas, como meias de armação, meia-atacantes, pontas e centroavantes. À excessão de alguns casos, raramente você vê um garoto declarar que quer ser um zagueiro, lateral ou volante. No máximo, aceitam atuar pela lateral “mais apoiando que defendendo”…
A grande verdade é que ninguém gosta de marcar. A tarefa de marcar não é divertido, exige esforços físicos consideráveis e em geral, é cansativa. Aos peladeiros de plantão, quantas vezes vocês chamaram a atenção de companheiros (ou foram advertidos) por não ajudarem na marcação? E quando isto acontece, muitas vezes a maioria se limita a cercar o adversário, onde no máximo um ou outro combate é dado (mais no intuito de obter a posse de bola). Em poucas palavras, são poucos os que entendem a importância de evoluir em termos técnicos e táticos neste importante quesito do futebol. Além do mais, marcar não é bonito, cultuado e glamouroso!
Ao realizar as tradicionais peneiras, os “professores” e sua comissão técnica se vêem na árdua tarefa de realizar o aproveitamento do material humano que se encontra à sua disposição. E neste processo de avaliação, eles se deparam com uma grande quantidade de meias e atacantes, ao passo de que dispõem de poucos zagueiros, laterais e volantes. Então, as escolhas se dão pela excelência técnica do aspirante, onde os jogadores mais técnicos são aprovados pelo processo. À partir daí, um novo trabalho é realizado…
Já os aspirantes logo se dão conta que a forte concorrência no meio/ataque irão por em xeque, a realização do sonho de ser jogador profissional. Enquanto que alguns mais qualificados se dedicam ao máximo para encontrar o seu espaço, os demais começam a perceber a necessidade de se evoluírem em outros aspectos técnico/táticos para garantir um lugar ao sol. Enquanto isso, a comissão técnica realiza um novo trabalho com o objetivo de aproveitar da melhor maneira possível, o material humano disponível e os novatos acabam sendo orientados a jogarem em outras posições, de acordo com as suas características e particularidades.
Por isso, é comum ver jogadores de meio-campo se dedicando mais na realização de outras funções, pois se não conseguem garantir a tão sonhada “camisa 10”, ao menos podem buscar o seu espaço no time. E a marcação começa a receber uma atenção diferenciada: “posso não ser um meia armador tão bom quanto o meu concorrente, mas posso me entregar mais no coletivo, ajudando especialmente na marcação para ganhar o meu espaço”. E aquele candidato a meia-armador se torna um atacante de lado, um 2°. atacante ou até mesmo um ala, ajudando no sistema defensivo. E não raro, também se torna um volante, mas com qualificações diferenciadas.
Daí, surge a figura do volante moderno: segundo o Wikipedia, “é o meio-campista que atua cumprindo as funções de auxiliar o primeiro-volante na marcação dos meias adversários e amparar os meias de sua equipe a criar as jogadas de ataque, organizar o meio-de-campo e distribuir os passes. Ele faz a ligação entre a parte defensiva e a ofensiva do meio-de-campo recebendo a bola de um jogador de defesa (geralmente o primeiro-volante) e repassando-a a algum meia do time. Quando o lateral sair pro jogo o volante tem que ficar na posição do mesmo.”. Em teoria, é tudo lindo e maravilhoso; mas na prática, as coisas não são “bem assim”…
O grande problema do volante moderno é que a posição exige do jogador, um grande poder de marcação. Mas infelizmente, a grande maioria dos jogadores que se candidatam para a posição possuem até algumas qualidades de marcação, mas no geral não se dedicam a ela com o mesmo interesse e afinco, tal como faz o volante clássico. Em geral, o volante moderno vê a marcação mais como uma necessidade (para garantir o seu espaço) a que uma função a ser realizada “por prazer”. O volante moderno em geral se dedica mais ao aspecto ofensivo e joga mais “com a bola nos pés”, ao passo que o volante clássico, se dedica à função de marcar com mais interesse e afinco, mesmo “sem a bola nos pés”. Mas em raras exceções, precisamos de pelo menos dois volantes “de verdade”…
O perfil do volante clássico (muitas vezes chamado também de cabeça-de-área) é diferenciado, por exigir um conjunto de habilidades bem distinto dos demais jogadores de meio-campo. O seu principal diferencial está no “saber jogar sem a bola”. Por ser um jogador focado exclusivamente na marcação, o volante clássico precisa reunir um conjunto de habilidades e competências que vão muito além de simplesmente roubar a bola do adversário. Ele deve ter uma forte noção de posicionamento e tática, com o objetivo de auxiliar os zagueiros, fechar espaços, fazer a contenção, e realizar coberturas, além de prever as jogadas do adversário e realizar as interceptações e combates de forma cirúrgica, buscando sempre retomar a bola e com o mínimo de faltas possíveis.
Assim como o meia-armador é a referência do time no aspecto ofensivo, o volante clássico é o pilar do sistema defensivo! Cabe à ele a função de acertar o posicionamento defensivo do time como um todo, orientando os companheiros para a compactação do meio-campo. No entanto, com a evolução do futebol moderno e a “necessidade” de dispor de jogadores que participam ativamente das ações ofensivas do time, o volante clássico vêm perdendo o espaço para o volante moderno. E é justamente aí que mora o grande perigo! À grosso modo, a maioria dos volantes modernos “são meias frustrados que não conquistaram o sonhado lugar no time e que se viram obrigados a exercer funções defensivas para conquistar o seu espaço”.
Em geral, os volantes modernos são jogadores que tem o “DNA ofensivo”, vêem o futebol como um esporte praticado “com a bola nos pés” e que possuem dificuldades para assimilar táticas e funções de caráter defensivos, típicos do volante clássico. Como dizem na linguagem popular, eles não têm o “caguete” do volante de verdade, tendo grandes dificuldades em realizar a marcação por setor e por serem envolvidos facilmente em tabelas e triangulações feitas pelos adversário. Não raro, são muitas vezes displicentes em termos táticos! No máximo, se limitam a fazer o primeiro combate e a realizar com mais qualidade as poucas funções exercidas “com a bola nos pés”, como a saída de bola do sistema defensivo e as tabelas no meio-ataque. Eles até auxiliam o time nas ações ofensivas, mas as suas deficiências na recomposição deixam buracos no sistema defensivo, que por sua vez propiciam o contra-ataque dos adversários.
Eis, os motivos pelos quais sempre olho com suspeita e desconfiança a promoção de volantes modernos para as funções defensivas que são cruciais para o time, especialmente em se tratando da posição de cabeça-de-área ou primeiro volante. Por isso, defendo a manutenção de jogadores que se encaixam no perfil de volantes clássicos, como M. Araújo, Cárceres e até mesmo o Aírton (Botafogo), embora cada um destes apresentem estilos diferentes. Com estes jogadores em campo, perdemos um pouco da beleza e exuberância do futebol moderno, mas ganhamos uma maior solidez defensiva. Eles apresentam dificuldades e deficiências? Sim. Mas nada que possa ser trabalhado ou compensado, seja através de atribuições táticas ou auxílio de jogadores de meio-campo.
Não é que o volante moderno não tenha a sua importância no time. Pelo contrário: sendo uma peça que se ajusta e encaixe no contexto do esquema tático e auxilie o volante clássico nas funções defensivas, ele também é indispensável! No entanto, ele deverá ser de fato um “volante de verdade” e não apenas um “meio-campo frustrado” que resolveu jogar de volante para conquistar o seu espaço no meio-campo…
Ednei P. de Melo
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Fonte: http://colunadoflamengo.com/2017/06/coluna-do-torcedor-desconstruindo-o-mito-do-volante-moderno/
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