Mais do que o recorde de receitas do futebol brasileiro, o ano de 2019 trouxe para o Flamengo o ápice do distanciamento em relação aos três rivais do Rio. Enquanto o rubro-negro, sozinho, arrecadou R$ 950 milhões no ano passado, Botafogo, Fluminense e Vasco — juntos — somaram R$ 669 milhões. Pela primeira vez nos últimos dez anos houve uma disparidade tão grande de arrecadação entre eles, como aponta o levantamento da consultoria EY.

— Em 2012, o Flamengo faturava R$ 212 milhões, e a soma dos três era R$ 420 milhões. Ou seja, os outros juntos faturavam o dobro do Flamengo. Hoje, ele fatura mais do que os outros três e ainda tem uma sobra de um terço sobre eles — destaca Pedro Daniel, diretor-executivo de Esportes da EY.

Mais do que espelhar o sucesso do Fla em campo, com os títulos da Libertadores e do Brasileirão, o cenário que deságua em 2019 tem tudo para ser decisivo quanto ao destino de cada um após a pandemia do novo coronavírus.

Evolução das receitas dos grandes do Rio na década Foto: Editoria de Arte

O Flamengo opera no positivo desde 2014 e fechou 2019 com superávit de R$ 63 milhões. Os outros três amargaram déficit. O do Botafogo foi o maior: R$ 21 milhões, sendo o segundo ano seguido em que o alvinegro fechou no vermelho.

O déficit do Vasco ficou em R$ 5 milhões. No diagnóstico do clube, a falta de vendas significativas de jogadores atrapalhou. A única transação registrada foi de Evander para o Midtjylland (DIN), por R$ 10,7 milhões. Já o Fluminense chegou ao quarto ano seguido sem superávit, com um resultado negativo de $ 9,3 milhões.

Somando os últimos dez anos, o Flamengo teve um resultado operacional acumulado de R$ 505 milhões. Além dele, só o Vasco fechou o mesmo período com saldo positivo: R$ 135 milhões. Para o Fluminense, os balanços a partir de 2010 registraram, juntos, déficit no resultado operacional de R$ 152 milhões. No Botafogo, o buraco é mais fundo: R$ 379 milhões negativos.

Para tamanho sucesso de arrecadação, o Flamengo se valeu de acordos mais vantajosos em relação aos direitos de TV. Em dez anos, houve um salto de 642%. Só em 2019, o clube faturou o triplo do Botafogo nesse item. Nessa conta entram cotas de participação nos torneios, algumas pagas em moeda estrangeira, como Libertadores (R$ 85 milhões)e Mundial de Clubes. Com a desvalorização do real, isso faz diferença na comparação com anos anteriores.

O Flamengo também emplacou transferências muito rentáveis. Vinicius Junior, por 45 milhões de euros (Real Madrid), e Paquetá, por 35 milhões de euros (Milan), turbinaram as contas de 2017 e 2019. De novo, o fator cambial aparece: ambas foram lançadas a R$ 150 milhões. O Vasco até conseguiu, em 2018, R$ 76 milhões com a venda de Paulinho para o Bayer Leverkusen, mas a crise no clube reduziu o poder de barganha.

O saldo de receitas comerciais também amplia o abismo entre o Flamengo e os rivais. Em 2019, o rubro-negro faturou R$ 93 milhões no quesito. O Vasco arrecadou R$ 16 milhões, enquanto Fluminense e Botafogo ficaram nos R$ 9 milhões.

— O Flamengo conseguiu se descolar em momento de crescimento econômico pré-Copa do Mundo e, depois, se manteve. Os demais clubes não aproveitaram o cenário para se alavancar. Agora, com um período de recessão, com menor liquidez do mercado, eles foram também afetados — sublinha Gustavo Hazan, gerente sênior de Esportes da EY, ressaltando o bom desempenho rubro-negro também nas receitas de jogos, já que o time foi longe nas competições disputadas.

Mudança no endividamento

info-evolucao-times-endividamento-liquido Como o Flamengo faturou mais que Vasco, Botafogo e Fluminense juntos

Tão significativo quanto o equilíbrio entre receitas e despesas é a forma como cada clube lida com o endividamento ao longo da década. O Flamengo conseguiu inverter a lógica, saindo do topo para o último lugar entre os grandes do Rio. O viés de queda veio a partir de 2013. Em 2017, retornou ao patamar de 2010 — em números absolutos, desconsiderando inflação. Nos últimos dois anos, com mais investimento em jogadores, houve aumento dos gastos.

O Botafogo, por outro lado, consolidou-se como líder de dívidas e parece longe de perder esse incômodo status. Mantendo o atual volume de geração anual de receita, o clube levaria quase seis anos para quitar a dívida, em um hipotético e irreal cenário de ausência total de despesas.

Os planos alvinegros para aniquilação do passivo dependem do sucesso da migração para o modelo de clube-empresa, algo que se tornou complicado com a chegada da pandemia.