Das peladas na Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio de Janeiro, à titularidade do Flamengo. Do ostracismo à volta por cima no Nordeste do país em quatro anos. Monotonia não é, definitivamente, uma palavra que combine com a carreira de Felipe Dias, volante de 22 anos que sonhou com a idolatria na Gávea, mas a conquistou em outro rubro-negro: o Moto Club, que garantiu recentemente o acesso para a Série C do Brasileirão e disputa neste sábado, às 18h (de Brasília), o primeiro jogo da semifinal da Quarta Divisão contra o Volta Redonda, no Castelão, em São Luís.
No Papão do Norte, Felipe Dias é tratado com carinho. Os torcedores motenses o chamam de “Pitbull”, em referência à característica de forte marcação do volante, destaque do time que este ano foi campeão maranhense em cima do arquirrival Sampaio Corrêa e vive uma lua de mel com a torcida. Ele curte o carinho e tenta retribuir em campo com vontade, mas confessa que jamais se imaginou ídolo no Maranhão.
– Se eu disser que sim, é mentira. Essa história começou com o técnico Eugênio Souza, que havia trabalhado comigo no Tombense. Ele ligou para mim em 2015, me chamando para vir ao clube. Analisei a proposta e topei – diz o volante, que já marcou cinco gols em 2016 pelo Papão.
O início da trajetória de Felipe Dias não é incomum no futebol. De origem humilde, o volante foi descoberto por José Carlos, pai do lateral-direito Léo Moura, ex-Flamengo e hoje no Santa Cruz. Ele viu o então garoto nas peladas na Vila Kennedy, mesmo bairro de Léo Moura.
– “Seu” José Carlos é como um pai para mim. Eu treinava na Vila Kenedy com ele, que me levou com mais cinco meninos a uma peneira do Flamengo. Só eu fiquei – conta Felipe, que no Rubro-Negro ganhou um apelido curioso: Feijão.
A geração da qual Felipe fez parte foi uma das mais vitoriosas da história recente da base do Flamengo. Ao lado de nomes como Adryan, Thomás, Negueba, Muralha, César, Mattheus, Frauches e Lorran, ele foi campeão da Copa São Paulo de Juniores em 2011. Fazia parte do elenco, mas não era titular.
Ainda assim, a história indicava que havia chances de ele subir aos profissionais, o que de fato aconteceu em 2012, mas na lateral esquerda. O jogo aconteceu no dia 11 de novembro, contra o Náutico, pela 35ª rodada do Campeonato Brasileiro. Felipe Dias foi titular, ficou em campo os 90 minutos e ganhou elogios do técnico Dorival Júnior, que comandava o time na época. No início de 2013, teve outras duas chances no Campeonato Carioca.
– Ele me dava muita moral, mas coisas mudaram para mim com a saída do Dorival. Jogador de base precisa de uma sequência, se não tiver, não vinga. A não ser que seja um fenômeno, um Neymar – diz.
Os dois lados da moeda
No início da carreira, Felipe Dias conviveu com jogadores como Ronaldinho Gaúcho, Deivid, Vágner Love e Ibson, entre outros. Viajou para disputar partidas de Série A, concentrou em bons hotéis e vivenciou o lado mais bem-sucedido do futebol brasileiro. Mas a queda veio cedo e sem aviso.
Após a saída de Dorival Júnior, Felipe Dias não teve chances com Jorginho, Jayme de Almeida e Mano Menezes. O contrato profissional encerrou em setembro de 2013 e não foi renovado. Restou procurar novos ares, e o Tombense foi quem lhe abriu as portas em 2014. O volante terminou o ano como campeão da Série D pelo clube mineiro. Em 2015, veio a proposta do Moto Club. Rapidamente, o volante começou a se destacar. Virou titular, fez uma boa temporada, continuou em 2016 para tornar-se ídolo da torcida.
– Não foi difícil a adaptação à nova realidade, pois venho de uma comunidade humilde. Mas entendo por que muitos desistem. Quem faz base em time grande sonha grande, mas quando não dá certo precisa entender rápido, se não é engolido. Há muitos jogadores bons no Brasil, muitos deles sem emprego, e é necessário sempre trabalhar muito – diz.
Sobre a sequência da carreira, Felipe Dias diz pensar alto, apesar de ainda não ter realizado o primeiro sonho que revelou em uma entrevista: dar de presente uma casa para a mãe.
– Ainda não, mas hoje vivemos com um pouco mais de conforto. Luto e trabalho muito para melhorarmos ainda mais. Sonho com seleção brasileira e sei que estou distante disso no momento. No entanto, acho que é possível, sim, mas só com muito trabalho, melhorando para minimizar cada vez mais as deficiências e evoluindo ainda mais no que eu já sou bom.
Relação com o Flamengo
Quase três anos após deixar o Flamengo, Felipe Dias diz que ainda acompanha o Rubro-Negro. Ele assistiu ao empate com o Palmeiras na quarta-feira e, na onda do cheirinho que a torcida vem sentindo, diz que acredita na conquista do heptacampeonato.
– Se o Flamengo ficasse com 11 jogadores até o fim, acho que o Palmeiras não aguentaria, não – diz ele, referindo-se à expulsão de Márcio Araújo ainda no primeiro tempo. – E é aquela coisa, se deixar chegar é difícil de bater. Era assim na base.
O contato com os ex-companheiros de base é diário, em um grupo de whatsapp.
– Ainda converso com todos eles. Frauches, Marllon, Lorran, Mattheus, Adryan… Fomos muito vencedores na base, e a amizade dura até hoje.
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