No badalado ambiente do futebol, massagista não está no holofote. Mas é ele quem se vê diante da dor, do choro, dos temores mais íntimos dos jogadores. Agora, no Flamengo, os jogadores choram por ele.

Acostumado a aliviar incômodos, o massagista Jorginho deixa um. Nada que seja sua culpa, mas a coincidência de partir, aos 68 anos, vítima da Covid-19 justo quando o time está prestes a voltar a treinar, deixa um sentimento amargo não só pelo reencontro interrompido.

Em meio às dúvidas sobre a eficiência de protocolos de saúde para evitar transmissão do coronavírus, a única certeza da vida — justo a morte — aparece como argumento forte em um necessário debate. Quase que como um alerta póstumo, o fato de Jorginho ser o massagista, figura coadjuvante do mundo da bola, traz a lembrança de que o futebol vai muito além dos 22 jogadores em campo, e que o cuidado deve ir para além dele.

Funcionário mais antigo do clube, com 40 anos de casa, Jorginho fazia parte do grupo de risco da doença. Ele estava internado há duas semanas em um hospital na Ilha do Governador, onde morava. No início da tarde, sofreu uma parada cardiorrespiratória.

Respeito ao campeão do mundo

Jorginho era reverenciado não só pela competência profissional, mas também por sua história. Entre os jogadores, era comum o ritual de pedir a bênção porque ele foi campeão com a seleção brasileira na Copa do Mundo de 2002. Simples, o massagista respondia que não entrou em campo. Mas quem viveu a campanha reconhece sua relevância.

— Eu levei o Jorginho para a seleção em 1999. O trabalho em 2002 teve uma importância grande por causa da volta do Ronaldo. E o Rivaldo, principalmente, gostava muito de fazer massagem com ele — relembra o médico José Luís Runco, que trabalhou com Jorginho no Fla e na seleção, citando os protagonistas do penta.

Nos últimos anos, Jorginho já não viajava tanto para os jogos do Flamengo. A escala geralmente ficava com o enfermeiro Alex Castor e Denir, outro massagista lendário. A relação dos dois tem capítulos particulares: foi Jorginho, após vir da Portuguesa da Ilha, quem indicou Denir ao Fla. A parceria durou até o fim da vida e rendia piadas. O grupo brincava que Jorginho foi campeão na única Copa do Mundo em que esteve. Denir, por outro lado, foi às três seguintes e voltou sem título.

O carinho dos companheiros de clube com o Tio Jorge, como Bruno Henrique o chamava, fez com que o massagista vivenciasse de perto, mais uma vez, o ambiente de título de Libertadores. O lateral-direito Rafinha tomou a iniciativa de pedir que Jorginho trabalhasse no Maracanã, no jogo de volta contra o Grêmio pela semifinal. Do vestiário, ele comemorou a goleada de 5 a 0 que levou o time à decisão da competição após um hiato de 38 anos.

O Flamengo considera Jorginho campeão da Libertadores e do Mundial de 1981. Andrade, meio-campista daquela geração e técnico no título brasileiro de 2009, chorou ao falar sobre a morte do massagista:

— Estava acompanhando a situação dele, jamais pensei que poderia acontecer. Era um cara sempre alegre, sempre brincalhão. Ele esteve com a gente em 2009. Estava praticamente o campeonato todo ao nosso lado.

A imagem da final

Com fama de pé quente, Jorginho foi colocado na delegação para a final em Lima, contra o River Plate. Com o time campeão, ele segurou a taça da Libertadores ainda no gramado. Estava ali registrada a imagem com a qual ele seria lembrado.

Num futebol em que se troca tanto de camisa, personagens como Jorginho são uma espécie de guardiões das tradições, raros conhecedores das identidades dos clubes. Certa vez, já com o Ninho do Urubu em funcionamento, o Flamengo treinar na Gávea. Jorginho aproximou-se de um ex-dirigente e disse: “Nossa alma está aqui”.

A diretoria do Flamengo diz dar todo suporte à família do massagista. Jorginho era casado com Helena. Juntos, tiveram duas filhas, Roseli e Rosana, e viram nascer cinco netos.

As mãos que trouxeram bem-estar a craques do futebol ao longo de quatro décadas conduziriam a neta Rayane Viana ao altar para o casamento marcado para 2021. Filha de um pai ausente, ela via no avô o exemplo máximo da figura masculina. Mas essas mesmas mãos perderam as forças numa batalha cruel contra o coronavírus e descansaram.

— Meu avô sempre foi dedicado ao clube. Ele deu a vida — diz a neta, emocionada.