O erro de Andreas Pereira ou o chute de Michael que raspou a trave são apenas traços de um jogo de margens pequenas. É fácil encontrar em qualquer partida de futebol um lance que teria mudado o seu curso. Porque este é um esporte que não exige dezenas de pontos: um gol pode bastar.

Flamengo e Palmeiras fizeram um jogo em que o destino poderia ter se oferecido a qualquer dos lados. Mas estava claro que a decisão absolveria um treinador e condenaria o outro. Sai aclamado Abel Ferreira, o que é justo. Sai demitido Renato Gaúcho, o que é cultural. No tal esporte de margens pequenas, de resultado quase nunca controlável, é curioso observar como o técnico rubro-negro foi o centro de todas as análises, ao menos sob a ótica do lado derrotado.

Resultados costumam inebriar, embora houvesse claros traços de vulnerabilidade neste Flamengo, mesmo quando acumulava goleadas. O nível de jogo do time se deteriorava com o tempo, havia questões estruturais importantes, fosse com a bola diante de defesas fechadas, fosse na parte defensiva, esta a mais alarmante. O que apresentava era insuficiente em comparação à oferta de qualidade técnica do melhor elenco do continente. E o domínio estratégico do Palmeiras no primeiro tempo indicava o quanto os rivais tinham clara a forma de fazer dano ao Flamengo.

Mas Renato é um personagem mais complexo do que a simples análise do nível de jogo. Ao longo da carreira, construiu um tipo que se tornou uma via de mão dupla. O jeito despojado, descontraído, que tentava convencer que o futebol conserva intacta a sua simplicidade numa era de informação farta e análise de dados minuciosa, por vezes soava reconfortante para quem resistia à necessidade de se adaptar a um jogo cada vez mais complexo. Mas foi este mesmo personagem que terminou por expor Renato, por empurrá-lo rumo a críticas ainda mais rigorosas.

Não é possível que um indigente tático obtenha as conquistas de Renato. Há nele uma vivência de jogo, capacidade de gestão de ambientes, algo que não é desprezível, ainda que que Renato provavelmente não frequente a primeira prateleira do conhecimento acadêmico, da virtude estratégica e tática. Seu Flamengo tinha problemas, seu Grêmio também os teve nas últimas temporadas. Ocorre que ele terminou por reforçar a imagem de um negacionista da evolução do jogo. E se seus times jogam mal, torna-se automático vincular o diagnóstico a um vazio de ideias.

Num momento em que o Brasil precisava se abrir ao conhecimento, Renato desdenhou do estudo. Técnicos são relações públicas do jogo, e ele enviou péssima mensagem com o famoso “quem precisa aprender vai para a Europa, quem não precisa vai pra praia”. Tentou atribuir a si um caráter especial, alguém capaz de vencer com menos esforço: estudam os incapazes, os sábios gazeteiam.

Renato evita a todo custo falar do jogo em suas entrevistas, seja por autopreservação, por privacidade ou para cultivar o personagem. Quando o Grêmio, seu trabalho mais recente e longevo, já não jogava tão bem quanto antes, desviou do campo para as contas bancárias. Flertou com a indelicadeza ao falar até da idade de Jorge Jesus antes de dizer que com R$ 200 milhões ele faria um timaço. Até que o Flamengo, um de seus sonhos, cruzou seu caminho.

Parecia tentador: o time de R$ 200 milhões agora era dele, e as estrelas que andavam ausentes por causa das seleções voltariam ao time. Após um início promissor, vieram novos desfalques, a queda no nível do jogo, a eliminação na Copa do Brasil e um Brasileirão cada vez mais distante. Aos poucos, o personagem se voltou contra o seu criador. Mesmo com apenas quatro meses no cargo, num calendário insano, Renato foi da aclamação à condenação. De certo modo, ele trabalhou para isso.

Mensagem

É até possível que uma proposta vantajosa tire Abel Ferreira do Palmeiras. Mas, mesmo se ele sair, faria bem o futebol brasileiro se absorvesse sua maior mensagem: o nível de pressão e a insanidade do calendário nacional são nocivos à saúde. Ou tornamos o nosso ambiente mais racional ou seguiremos nos perguntando por que é tão difícil atrair para o Brasil profissionais que tenham lugar no primeiro mundo da bola.

Elegância

Numa época em que nossos campos assistem a uma endêmica incompatibilidade com a esportividade, Filipe Luís deu uma aula grátis de elegância. Em sua mensagem pós-derrota, falou em tom de agradecimento à torcida e aos companheiros. Em seguida, parabenizou o vencedor sem hesitações. No fim, ainda se deu ao trabalho de listar pontos em que precisamos evoluir, dos gramados ao calendário. Exemplar.

VAR

O Atlético-MG não será campeão brasileiro por causa da arbitragem ou qualquer coisa parecida. Aliás, é raso discutir se o tricolor Marlon cometeu ou não o pênalti no Mineirão. O urgente é sair da zona de conforto e discutir, primeiro, a preparação e a profissionalização dos árbitros. E, claro, o jeito intervencionista com que o Brasil adotou o VAR. Impera aqui uma interpretação peculiar do protocolo. Uma lógica tropicalizada.