Renato Gaúcho foi aclamado quando seu Flamengo, então favorito ao tri da América, emplacava seguidas goleadas, mas passou a incapaz quando o nível de jogo se deteriorou. Tratado como estrategista ao eliminar o Atlético-MG, Abel Ferreira viu o Palmeiras passar de mero desafiante a favorito, até ser novamente questionado. A gangorra de sensações mostra que tentamos, por dois meses, “jogar” a final da Libertadores a cada rodada do Brasileiro.
Rodrigo Capelo:De Leila Pereira a Rubens Menin, os novos ‘donos’ do futebol brasileiro
Mas é curioso como nenhum dos times chega ao Uruguai com créditos de sobra. São os efeitos, bons e ruins, de um futebol concentrador de riquezas. Pela primeira vez, os dois últimos campeões decidem uma Libertadores que ganha previsibilidade e impõe aos mais ricos um sarrafo mais alto.
É positiva a sensação de que há um olhar crítico sobre o nível de jogo, uma visão que transcende o resultado. É saudável questionar, mesmo num ano de maratona atípica, se o elenco do Palmeiras não poderia entregar mais, ou discutir se havia vulnerabilidades no time de Renato Gaúcho, mesmo quando produzia resultados espantosos.
Marcelo Barreto:O STJD goleia a luta antirracista no caso Celsinho
Por outro lado, a criação de uma elite econômica restrita aponta para a cada vez mais inalcançável sensação de saciedade. O futebol brasileiro mergulhou fundo no redesenho de sua estratificação, de sua pirâmide de forças. E quando o topo se torna mais exclusivo, a exigência é por imposição semana após semana. O risco é que, no futuro, a Libertadores seja a única medida de sucesso em uma fábrica de frustrações.
Flamengo e Palmeiras são como personagens previsíveis numa decisão que já pareceu mais simples de decifrar. Quando eliminou o Atlético-MG, o time de Abel Ferreira parecia desenhar o roteiro da final. Anulara um rival poderoso com uma linha de cinco defensores, só um meia ofensivo e a aposta em Rony e Dudu como flechas do contragolpe. Estava escrito: em Montevidéu, o Flamengo teria a bola e o Palmeiras apostaria nos espaços que, diga-se, o time de Renato Gaúcho oferece.
Martín Fernandez:STJD dá vitória ao racismo no caso do Brusque
Mas, desde a semifinal, o Palmeiras tem apostado numa formação com quatro defensores e na entrada de Gustavo Scarpa junto a Raphael Veiga. Ainda que siga sendo um time mais confortável nas transições rápidas, a escalação com dois meias passou a sugerir mais leveza, mais construção com bola.
No entanto, a vitória do Flamengo sobre o Internacional deve ter reforçado em Abel Ferreira a tentação de fechar-se atrás e contragolpear. Os gaúchos aceitaram um jogo franco, aberto, descontrolado como são por vezes as partidas do rubro-negro. Ficou claro o quanto os talentos tornam este Flamengo mortal ao ter espaço para acelerar. Mas também como o time se protege mal na perda da bola. Restam, portanto, perguntas.
Bola de cristal: Ferramenta do GLOBO mostra chances de título, risco de queda e outros dados do seu time
Se assumir sua tendência de ter iniciativa, como o Flamengo irá lidar com o forte contra-ataque rival? Tentará usar a bola para atrair o Palmeiras para seu campo e gerar espaço? Os paulistas irão ceder este espaço? Ou o Flamengo vai assumir a tarefa de bater contra um muro defensivo, cenário em que teve problemas recentes? Há ainda um tempero: a presença de Arrascaeta ou de Michael. O uruguaio pede um jogo mais de toque, enquanto o ponta acrescenta aceleração no espaço.
Não seria surpresa ver Abel surpreendendo na escalação, mas ainda é difícil, mesmo com o repertório que o time ganhou, vê-lo tentando disputar posse de bola com o Flamengo. Resta saber, com a formação atual, como irá tentar repetir contra o Flamengo o bloqueio defensivo que derrotou o Atlético-MG.
Nestes novos tempos, não era difícil imaginar um Flamengo x Palmeiras na final. Agora, é ver como os gigantes da América vão se comportar no Centenário.
Share this content: