Rafinha se reapresentou ao Flamengo dia 27, com o restante do grupo que jogou o Mundial de Clubes. No Ninho do Urubu, o lateral-direito encontrou uma boa notícia. O companheiro de elenco Pablo Marí, um dos destaques do sistema defensivo do time em 2019, permaneceria, depois de praticamente fechar com o Arsenal. Já o empresário Rafinha perdeu a chance de fazer um bom negócio e levar Léo Pereira, do Athletico, para o campeão brasileiro e da Libertadores.
Depois, veio a reviravolta, o espanhol de fato foi para o futebol inglês e Léo Pereira foi contratado. Perdeu-se um colega, ganhou-se uma transferência a mais na conta da R13 Fussball, empresa que agencia jogadores. Em dezembro passado, a mesma R13 fechou parceria com o Castanhal Esporte Clube, do Pará, e Rafinha se revelou sócio da empresa que é tocada pelo seu primo Ricardo Scheidt. No quadro societário da R13, somente Scheidt aparece.
O caso chama a atenção por ser de um jogador em atividade que é também, explicitamente, atuante no ramo de agenciamento de atletas. E levanta questões quanto a um possível conflito de interesses.
Os regulamentos da Fifa e da CBF não tratam diretamente da situação, o que abre brechas legais para a prática. Para o advogado André Sica, do CSMV Advogados, especialista em direito desportivo, ainda que não fale exatamente sobre casos como o de Rafinha, as regras das entidades contemplam episódios semelhantes:
– Não existe vedação expressa, mas ele é aplicável na parte em que fala sobre relações conflitantes.
Procurada, a Fifa, por um porta-voz, afirmou que não poderia comentar casos específicos antes da devida análise do departamento jurídico, mas de forma geral fez referência ao artigo 19 do Código de Ética da FIFA. Justamente o que versa sobre conflitos de interesse.
Nele, consta que “o conflito de interesse surge se uma pessoa sob a abrangência do Código de Ética da Fifa tem, ou parece ter, interesses secundários que possam influenciar sua habilidade para desempenhar seus deveres com integridade de uma forma adequada e independente. Interesses secundários incluem ganho de qualquer vantagem por pessoas sob abrangência desse código ou partes relacionadas a essas pessoas”.
Antes da concretização do negócio do Léo Pereira – a primeira manifestação de interesse do Flamengo no jogador foi ainda em janeiro de 2019, vale destacar – e depois da chegada de Rafinha ao elenco rubro-negro, a R13 Fussball passou a agenciar as carreiras de mais dois jogadores do Flamengo, o lateral-direito Rodinei, ex-concorrente de Rafinha, e o zagueiro Matheus Dantas. Em janeiro, Rodinei se transferiu para o Internacional. Dantas segue no elenco e tem atuado nas partidas pelo Campeonato Estadual, enquanto os jogadores principais seguem na pré-temporada.
Ex-empresário de Rodinei, Fernando Garcia, da Elenko Sports, não quis se pronunciar sobre o caso. Bruno Dantas, ex-representante de Matheus Dantas, afirmou que a troca foi consensual, com ele mantendo participação sobre o zagueiro. Para ele, o fato de Rafinha ser também empresário de jogadores é normal.
– Não vejo conflito ou nada de anormal. Rafinha é livre para fazer o que quiser. Foi algo conversado, sou também amigo do Matheus e está tudo bem entre as partes – afirmou.
Procurada, a assessoria de imprensa de Rafinha afirmou que ele não iria se pronunciar. Ricardo Scheidt, primo de Rafinha, não respondeu ao chamado da reportagem. O Flamengo, por sua vez, assim como o lateral-direito, preferiu não se manifestar.
Agentes questionam
A atuação da R13 Fussball dentro do Flamengo, causa desconforto a outros representantes de jogadores com atletas no profissional e nas divisões de base do rubro-negro. Quatro empresários procurados pela reportagem, todos com atletas no clube, manifestaram descontentamento, mas apenas um aceitou dar entrevista à reportagem. Carlos Leite é representante de Matheus Thuler e mais quatro garotos da base rubro-negra. Questionado a respeito, afirmou:
– Isso deixa margem para pensarem que ele pode se aproveitar de sua posição para aliciar atletas do seu próprio clube. Sendo um atleta consagrado e líder, a margem para isso aumenta e muito. Anos atrás isso aconteceu no Rio de Janeiro, só que não foi com jogador e sim com um gerente de futebol. Mas é apenas uma opinião, sem querer acreditar que isso esteja acontecendo.
Há quem ameace levar seus jogadores para outros clubes com receio de perder o atleta para a empresa do lateral-direito. Um outro empresário afirmou que entende ser normal um jogador indicar um empresário para outro colega, mas que a situação de jogador-empresário passa um pouco dos limites.
De acordo com eles, Rafinha tem tido postura ativa dentro do vestiário atrás de novos clientes para a R13. A ascendência dele no elenco é inegável. Ele foi um dos que mais participaram das discussões sobre premiação para o grupo em 2019.
Rafinha pode ser o primeiro a atuar explicitamente como sócio de uma empresa que agencia jogadores, mas boatos de casos semelhantes, só que encobertos, são numerosos no meio do futebol. É recorrente também a reclamação de que jogadores de maior peso dentro dos elencos tentem convencer os mais novos a fecharem com seus representantes, principalmente quando o garoto recém-chegado ao profissional ainda tem contrato de agenciamento com empresários menos conhecidos. Publicamente, Leo Moura já atuou como intermediador. Ano passado, quando ainda atuava pelo Grêmio, ajudou nas contratações de Bruno Cortez e Diego Tardelli. Em entrevista ao site Globoesporte.com, comentou o caso com naturalidade e ainda revelou que deseja ser empresário de atletas quando se aposentar.
*Colaborou Diogo Dantas