Acredite. Nada foi combinado com seu Edmo Pachara, o
administrador do campo do Laska – que, obviamente, não traz qualquer referência
ao Polo Norte, mas ao ato ou efeito de “lascar” o pé no campo de terra da
Ribeira. Era a última entrevista de série de quase 10 personagens encontrados
nos bairros onde Gabriel, meia-atacante do Flamengo, cria dos babas (peladas ou
simplesmente campo de várzea), começou a jogar futebol.
– Gabriel tinha apelido de “cheiro”. Por causa da banda “Cheiro
de amor”. Era fã, sabia todas as músicas. Sabe até hoje – contou, despretensiosamente, Edmo.
Dono do bar “Vá Tomar de Canhão”, Edmo nem se tocou que um
certo outro cheiro já virou um mantra para a torcida rubro-negra. E a onda deve
ficar fora, longe do oba-oba, como querem diretoria, técnicos e jogadores. Mas
a coincidência do apelido de garoto de Gabriel é saudável. Ali, no Laska o
amigo de outro apelido curioso, Desenho, o convidou para jogar no clube do
ex-presidente do Bahia Marcelo Guimarães Filho, em história já conhecida. Com
19 anos, o jogador rubro-negro, titular no time que enfrenta o Vitória hoje no
Barradão, já havia desistido do sonho de ser profissional.
– Fiz teste no Bahia de Feira de Santana e ia fazer no
Vitória, mas no dia falaram que não tinha avaliação, voltei para casa. Tinha 19
anos já, para mim já não tinha mais (esperança) – lembra Gabriel, que já estava
decidido a cursar faculdade.
Mas a chance apareceu e, hoje, sete anos depois, se não é
unanimidade na torcida do Flamengo, é de sobra com os amigos do bairro Jardim
Cruzeiro. A família ainda mora no bairro, que é vizinho da Ribeira e do Bonfim,
onde fica a famosa igreja baiana. Na Avenida Almirante Barroso, em frente à
casa onde Gabriel morou, um dos muitos campos de pelada que Gabriel não esquece
e até hoje frequenta.
– No fim do ano passado ele veio de bicicleta para jogar
aqui com a gente – conta Edmo.
A avó Maria José da Conceição Pinto recebeu o
GloboEsporte.com dentro de casa para contar um pouco sobre o neto. Carinhoso, Gabriel
pede a todo momento para a vó passar tempos na casa no Rio de Janeiro. Ela está
na dúvida se vai ao Barradão nesta noite. O jogador do Flamengo não gosta muito
de ver a avó nos estádios.
– “Não vá não, vó. É muita confusão, a senhora não vai
gostar”. Mas se meu filho, que é pai dele, vier me buscar, eu vou sim. Quero
ver Gabriel fazer um gol. Na semana ele fez e eu não vi, acabei dormindo antes
do jogo – conta, aos risos, dona Maria.
“Não tem como ficar triste”
Laska, Uruguai, Marisco, Caíra, Cursa, Boa Viagem. São Caetano, Cobra.
São os nomes dos campos e dos times, respectivamente, que Gabriel tão bem
conhece – e de onde saiu também outros valores do futebol baiano, o mais
recente é Walace, meia do Grêmio. Talvez pela carreira construída aos 45 minutos
do segundo tempo, com a oportunidade de se transferir para um dos maiores times
do Brasil, dono da maior torcida, o astral de Gabriel seja ainda mais para cima
do que de costume. Mesmo nos tempos de reserva e de poucas chances em campo, as
brincadeiras e o sorriso apareciam fácil, fácil com o jogador do Flamengo.
– Cara, sou bem-humorado, sou feliz. O cara estar num grande
clube, realizando sonho de ser jogador de futebol, como é que o cara vai ficar
triste? Não tem como – responde ele.
Um dos amigos de baba é hoje professor da escolinha Arca da
Aliança. O professor Dito fala com prazer de Gabriel. Conta que o jogador
sempre aparece com bolas novas, coletes e tenta ajudar no que for possível a
formação de jovens jogadores. Dito conta ter 20 promessas nas categorias de
base do Bahia, Vitória e outros clubes baianos. Não cobra e nem ganha nada com
seu trabalho, que, segundo seus cálculos, em sete anos já recebeu mais de 500
crianças.
– Aqui, infelizmente, a gente sabe sempre que um garoto de
15, 16 anos, morreu, que está envolvida com coisa errada. Nos meus meninos
aqui, não – relata, com orgulho, Dito.
Os pequenos Sarailton Campos da Silva Junior, de 12 anos, e
Heitor Oliveira, 11, são uns dos alunos. Eles tinham a missão de levar a
reportagem do GloboEsporte.com até o campo do Laska, o mais famoso da região.
Mas no caminho encontraram um amigo, mais velho, que perguntou onde iam. Ao
ouvir a resposta, ele disse:
– Nada disso, tem treino no Marisco agora. Oxê, vamos! –
disse o garoto, que não devia ter mais que 15 anos, carregando os meninos para
seguir os passos de Gabriel. O cheiro, no caso, da criançada, toda encostada no
muro, é de ansiedade pela chance que aparece em um, dois, três, entre 300, 400
crianças.
– Quero dizer ao Gabriel que ele em destaque no nosso
futebol é muito importante para a gente, é uma inspiração muito grande. Sou
casado, tenho uma filha de 14 anos, vivo de aluguel, mas levo minha escolinha
há sete anos para ajudar a gente como Gabriel. Por isso é muito importante
vê-lo jogar hoje em dia – diz, com emoção, o professor Dito.
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