Durante a maior parte do tempo em campo, Vinícius é discreto e chama a atenção mais pelo par de chuteiras verde limão do que por qualquer outra coisa. Bastam dois toques na bola, e pronto: uma jogada clareada com um drible, um passe, uma inversão de 40 metros perfeita. Ou um gol (veja no vídeo acima, a partir dos 14min56). O meia-atacante de 16 anos é apenas uma promessa e carrega ressalvas como pouca movimentação sem a bola, dribles desnecessários e até provocações à torcida rival. Mas já tem o status de maior promessa da base do Flamengo e uma das maiores do país, com multa rescisória de 30 milhões de euros (equivalente a R$ 105 milhões) e um histórico excelente nas seleções de base.
O clássico entre Flamengo e Botafogo pela semifinal da Taça Rio de 2017, disputado neste sábado, foi um bom exemplo do atual estágio de Vinícius. O jogo estava equilibrado e sem gols, e ele pouco aparecia em campo. Até que, no início do segundo tempo, após um cruzamento da direita, ele se antecipou aos dois zagueiros do Botafogo para abrir o placar e o caminho da vitória rubro-negra por 3 a 0.
– Dei um pique e consegui fazer o gol, num jogo em que eu estava mal. Agora é trabalhar para jogar bem na final – disse.
Frequentemente convocado para as seleções de base, Vinícius foi o vice-artilheiro do Brasil campeão do Sul-Americano Sub-15: em seis jogos, fez seis gols e deu ainda cinco assistências. Na Brics Cup Sub-17, competição disputada em outubro com a participação de China, Índia, Rússia e África do Sul, balançou a rede mais cinco vezes, sendo o artilheiro do torneio. Algumas delas também em jogos nos quais não ia bem e teve um lampejo decisivo.
Com a bola nos pés, trata-se de um jogador completo. Rápido, parte para o drible e deixa os adversários para trás com muita facilidade e explosão física. Habilidoso, trabalha com as duas pernas e finaliza bem de perto e de longe. Inteligente, tem visão de jogo para enxergar companheiros livres ou surpreender os goleiros com chutes por cobertura. O jogo no sub-17 parece já não representar mais nenhum desafio para ele, tamanha a facilidade com que executa as jogadas.
Caminho encurtado ao Ninho
A história de Vinícius é comum a vários brasileiros que têm o sonho de vencer no futebol. Negro e de origem humilde, ele nasceu e foi criado em São Gonçalo, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro, e lá jogava em uma escolinha do Flamengo até ser federado de vez pelo clube aos dez anos. Jogava também futsal no Canto do Rio, tradicional clube de Niterói, no qual Gerson, o Canhotinha de Ouro, atuou na base. Aos 14, mudou-se para Piedade, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Foi morar com o tio, Ulisses, para ficar mais próximo do Ninho do Urubu. E na próxima semana, se mudará para um local ainda mais próximo, no Riocentro, na Zona Oeste.
Em campo, o desempenho nunca deixou dúvidas. Aos 13 anos, veio a primeira convocação para a seleção sub-15, com o técnico Cláudio Caçapa. Mesmo um ano abaixo, ele já era titular e principal jogador dos infantis do Flamengo. Era o protagonista da chamada Geração 2000 rubro-negra, que chegou a ficar mais de 90 jogos invicta entre o mirim e o infantil. Em 2015, sagrou-se campeão da Copa Votorantim, torneio equivalente ao campeonato nacional da categoria.
Em 2016, Vinícius subiu aos juvenis, e a história se repetiu. Mesmo um ano mais novo do que limite da categoria determina, o meia-atacante se tornou protagonista do time. Marcou dez gols e ajudou os também promissores Lincoln e Bill, seus companheiros de ataque, a marcarem outros 33 (19 do primeiro, artilheiro do campeonato, e 14 do segundo). O Flamengo, campeão da Taça Guanabara (Vinícius marcou o segundo gol da vitória por 3 a 1, veja no vídeo acima), está invicto em todo o campeonato: em 29 jogos, venceu 20 e empatou nove. Disputa a partir do próximo fim de semana a final da Taça Rio Sub-17 com o Vasco e, se vencer, leva o título por antecipação.
Elogios, olheiros europeus e multa milionária
Na Gávea, neste sábado, toda e qualquer menção feita ao fato de que Vinícius seria a atração do jogo era seguida de uma reação parecida. A conversa sobre ele gira sempre em torno do fato de ser um jogador
acima da média que vai queimar etapas e chegar rapidamente aos
profissionais do Flamengo. Termos como “fenômeno” e “craque” eram frequentes nos diálogos.
Observadores técnicos de times europeus monitoram o jogador há tempos e também estavam lá na semifinal contra o Botafogo para acompanhar a promessa com atenção. Algo também rotineiro na carreira do garoto, que assinou seu primeiro contrato profissional em julho de 2016, pouco depois de completar 16 anos. O vínculo dele com o Rubro-Negro vai até junho de 2019.
A multa rescisória de 30 milhões de euros é, para efeito de comparação, quase tão alta quanto a última de Gabriel Jesus em seu último contrato de Palmeiras (feito um ano depois de ele subir aos profissionais e já ter convocações para a seleção olímpica no currículo), cuja cláusula de rescisão era de 40 milhões de euros. Vinícius, vale lembrar, sequer entrou em campo pelos juniores do Flamengo ainda.
Preocupações do clube e da seleção
Se com a bola
nos pés Vinícius é visto como muito acima da média, sem ela o
comportamento dele preocupa dirigentes rubro-negros. Não tanto fora das
quatro linhas, pois sua conduta é vista como boa dentro do clube, mas
dentro delas.
Não são raros os relatos de que, em campo, ele
provoca a torcida adversária, abusa de dribles desnecessários em alguns
momentos e discute com árbitros. Um exemplo foi em 2015, na final da Taça Guanabara sub-15 contra o Vasco. O Flamengo perdia o jogo por 3 a 0 e Vinícius ficou provocando a torcida adversária. A atitude chamou a atenção negativamente de vários observadores de clube que estavam assistindo ao jogo em São Januário. A pouca combatividade defensiva e a
pouca participação no jogo sem a bola também são pontos a serem
melhorados no meia-atacante, que em alguns momentos do jogo participa
pouco da marcação.
A preocupação se justifica. O início da
história de Vinícius se assemelha ao de fenômenos como Neymar, mas
também é parecido com o de vários jogadores jovens que ficaram pelo
caminho e caíram nas várias armadilhas que o futebol oferece para tirar o
foco no esporte. Um dos mais recentes no Rio de Janeiro é o de Wellington, que estreou aos 16 anos nos profissionais do Fluminense e era, na base, posto quase em pé de igualdade com Neymar, mas não se firmou na Europa. Passou por equipes de segunda divisão antes de voltar ao clube em 2016 para se recuperar e fazer um bom Campeonato Brasileiro, mas não recuperou a imagem que tinha de futuro craque de seleção.
A Vinícius, ainda uma promessa, cabe a missão de se afastar desses possíveis problemas e
escrever as próximas páginas de sua trajetória da forma que sabe:
com dribles, passes e gols.
Perspectiva de promoção em 2017
Apesar de jogar nos juvenis, Vinícius já treina com os juniores do Flamengo. O nome dele chegou a ser citado para uma possível promoção ao time profissional em 2017. Perguntado sobre o assunto, o diretor de futebol do clube, Rodrigo Caetano, disse que essa promoção não acontecerá na pré-temporada.
A tendência é que o meia-atacante seja integrado ao elenco de juniores para a disputa da Copa São Paulo. A avaliação interna é que, se ele mantiver o nível dos juvenis nos juniores, a promoção aos profissionais acontecerá em pouco tempo. O garoto, fã de Neymar, diz não ter pressa.
– Cedo ou tarde, eu só quero que aconteça e dê certo. Quero ser um jogador profissional e se for no Flamengo, melhor, porque meu objetivo é dar muitas alegrias à torcida rubro-negra.
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