Próximo ao grupo de jogadores que até bem pouco tempo atrás estavam com ele nos juniores, Zé Ricardo acompanha a atividade e avisa: “Quero jogo limpo, sem falta”. “Nada de simular”. “Bota a criança para fora, vai para cima, quero pedalada, lambreta, vai!”. Felipe Vizeu, Matheus Sávio, Ronaldo e Léo Duarte faziam disputa em curto espaço; precisavam driblar ou tabelar antes de tocar para outro jogador e fazer golzinho entre cones. A ação dura menos de 10 minutos sem parar até a próxima atividade, também curta, mas intensa.
O conceito utilizado por Zé Ricardo nasceu nas academias portuguesas e tem nome de periodização tática – divisão das atividades de treino voltadas, na maioria das vezes, para toques rápidos, em espaços curtos, que reproduzem situações de jogo. Três meses depois de assumir o Flamengo, Zé põe em prática a integração do profissional com a base que seria função do consagrado Muricy Ramalho – afastado por problemas de saúde no fim de maio.
Nos pequenos períodos de treino aberto no Ninho do Urubu, é possível ver Zé Ricardo comandar essas atividades ao lado do preparador físico Daniel Gonçalves, de Jayme de Almeida e de outros auxiliares. Cronômetro na mão, faz intervalos curtos até atingir 45 minutos de atividade, que geralmente são divididas em três partes. Aquecimento com rodas de bobinho; depois, campo reduzido e, por último, treinos táticos, coletivos e de bola parada.
O diretor de futebol Rodrigo Caetano explica que a “nova” função de Zé Ricardo nada mais é a implantação do que o clube já queria ao contratar um treinador no início do ano. Com isso, quer dizer que não era um projeto para o Muricy. Mas do Flamengo. E cabe a Zé agora implantar. Ele lembra que os avanços das obras no Ninho do Urubu facilitam e muito todo esse processo.
– Ficamos eu, ele, Mozer, todos mais tempo no CT hoje com as melhorias que temos. Se antes era uma coisa que cobrávamos, que mais a parte administrativa ficava no clube, hoje são raros os que não ficam até mais tarde em todas as categorias. Cria dedicação maior no clube. Não é só dar o treino só pela manhã. À tarde fica com o pessoal da parte física, discute o treino do dia seguinte, interage com a base, constrói conteúdo, faz reuniões. Era esse o caminho que imaginávamos no início do ano. Não era questão de nome, era o planejamento do clube – diz o diretor de futebol.
As características do trabalho do treinador impressionam jogadores, comissão e até gente de fora do Flamengo. Leia alguns detalhes e depoimentos sobre o Zé Ricardo abaixo.
Admirado pelos jogadores
É unânime e não se trata apenas de puxar o saco do chefe. Os jogadores falam com admiração sobre Zé Ricardo. Desde Fernandinho, que o comparou a Roger Machado, um dos técnicos da nova geração que mais cresce, ao internacional e recém chegado Diego, os elogios são fartos.
– Posso dizer que me surpreendi positivamente. Claro que ninguém chega por acaso a ser treinador no Flamengo. É um treinador muito inteligente, que se expressa muito bem, comunicativo e não perde a autoridade por ser assim. Sem dúvida é a nossa referência. Comentei com algumas pessoas aqui que ele fala aquilo que estamos esperando que ele fale no momento certo. Ele começa a analisar o jogo no intervalo, ele fala o que estamos pensando, o que precisamos ouvir – disse Diego.
Meio, lateral e gol
Repare na maioria dos últimos gols do Flamengo. Contra a Chapecoense, veja abaixo, Pará tabelou, foi ao fundo e rolou para Diego marcar. Contra o Vitória, Pará, de novo, ganhou o lado do campo e Fernandinho fez. No segundo gol, tabela de Gabriel e Diego, gol do baiano e 2 a 1 para o Flamengo no Barradão. No dia a dia, as jogadas são trabalhadas à exaustão, como ressaltou Zé depois do jogo na Bahia.
Educador
Professor de educação física licenciado de duas escolas municipais, Zé Ricardo leva os hábitos dos colégios para os campos. É difícil vê-lo falando palavrão nos treinos. Coordenador de seleções de base da CBF, Erasmo Damiani procurou o Flamengo e o São Paulo no ano passado. O objetivo era escolher entre Zé Ricardo, então técnico do sub-15 do Flamengo, e Guilherme Dalla Déa, do São Paulo. Zé agradeceu o convite, mas estava sendo promovido no clube para os juniores e disse que iria ficar na Gávea. No caso, no Ninho.
– Sempre chamou a minha atenção a postura dele com os atletas, a conduta à beira do campo. Os times dele também, organizados, bem estruturados, com posicionamento bem definido. Estava atrás da formação dos treinadores para o sub-15 e ele era um dos que tinha aquilo que queria: tem trabalho de formação, coloca seus times para propor o jogo, jogadores que sabem o que fazem, sem usar ligação direta, com posse de bola. Claro que é um treinador novo, que vai oscilar como qualquer um, mas tem convicções e a gente fica feliz por vê-lo liderando essa boa campanha do Flamengo – contou Damiani.
Periodização noturna
A sequência de viagens força o Flamengo a procurar ajustes e adaptações a todo momento. Uma delas é realizar os treinos para os reservas e aqueles que entraram durante o jogo após as partidas. O preparador físico Daniel Gonçalves é um dos responsáveis por comandar os jogadores em atividades que duram 45 minutos. As reuniões com a base estão levando esse modelo para todas as categorias inferiores do clube.
– A metodologia do Zé Ricardo é sistêmica. Ele tem um padrão que o Flamengo está implementando agora, com a característica do DNA do clube. Basei-se nessa periodização tática, do futebol português, porém, com familiaridades e peculiaridades do futebol brasileiro e características de jogo do Flamengo, que a torcida exige, com imposição de jogo, de atuar em cima do adversário. Para alguns atletas, o complemento de atividades físicas estão sendo em partidas, jogos-treinos – contou Gonçalves.
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