Como Zizinho ajudou Gérson e Zico no Flamengo, e a homenagem dos mestres do … – ESPN

Natural de São Gonçalo, Thomaz Soares da Silva, o Zizinho ou Mestre Ziza, completaria cem anos de vida nesta terça-feira (14) se estivesse vivo. Craque de uma era sem televisão, o legado dele ficou restrito a quem o viu jogar. Ou, no caso de Gérson e Zico, pela convivência e pelos conselhos que receberam do ídolo de Flamengo, Bangu, São Paulo e também da seleção brasileira.

Aos 80 anos, o ‘Canhotinha de Ouro’ começou profissionalmente no Flamengo em 1958, quando Zizinho, aos 37, já estava no final da carreira. Mas o fato de ambos morarem em Niterói, terra natal de Gérson, os aproximou.

“Na verdade, a amizade de Zizinho vem do tempo do meu pai, que jogou com o pai de dele. As famílias se conhecem a séculos”, disse o ex-jogador e hoje comentarista da rádio Tupi à reportagem.

“Eu tive três mestres no futebol: Zizinho, Jair Rosa Pinto e Didi. Com o Didi eu joguei contra e junto. A gente se encontrava, sentava, batia papo e eles me dirigiam: ‘Moleque, não está fazendo isso direito; Não vai se meter nisso; Olha essa vida paralela’”.

Também camisa 8 do Flamengo, como foi o Mestre Ziza uma década antes, Gérson admitiu que era um jovem afoito, impaciente e que não teria se tornado um grande craque sem os sábios conselhos do trio, especialmente de Zizinho.

“Toda a visão de futebol que o Zizinho tinha, a inteligência, a habilidade, ele explicava para mim: ‘Presta atenção quando você está com a bola. Você não está sozinho. Tem um monte de gente no campoe tem um monte de gente querendo tirar tua bola’. Outra coisa que ele falava: ‘Os principais jogadores são sempre visados. O cara não vai na bola. Vai em você’”, afirmou Gérson.

O Canhotinha de Ouro seguiu os ensinamentos do Mestre Ziza. Foi campeão em todos os clubes que defendeu. Do Flamengo, passando pelo Botafogo, depois pelo São Paulo e finalmente pelo Fluminense, onde encerrou a carreira. E teve mais: fez parte da seleção brasileira de 1970, que conquistou a Copa do Mundo e até hoje é referência de futebol arte.

O único conselho ou pedido de Zizinho que Gérson não atendeu foi em 1975. Já aposentando, ele foi chamado para integrar a seleção olímpica. O amigo foi contratado para ser o treinador após experiências no Bangu, no América-RJ e no Vasco da Gama.

“O Heleno Nunes, que era presidente da CBD, chamou o Zizinho. E aí, ele conversando comigo, disse ‘Vamos juntos’. Eu disse ‘Não dá, Zizinho. Primeiro que não é minha praia. Segundo que você vai se meter nisso? Isso é complicado toda a vida. Eu tô fora’. Ele bateu com os burros n’água. Por quê? Porque ele pensa como mestre, mas ali ninguém pensava como mestre. Não deram o apoio que ele merecia, não deram o apoio que ele precisava. E ficou assim, pelo meio do camnho”, disse Gérson.

Em homenagem ao centenário do Mestre, o site da ESPN publica desde o último domingo (12) textos sobre Zizinho. Nesta terça-feira, 14 de setembro, a ESPN Brasil e Star+ exibem o especial “100 anos de Zizinho, o Mestre do Rei Pelé”, às 22h30 (de Brasília).

Mestre do Galinho

Zico, 68, não viu o craque jogar. Conheceu Zizinho pelas histórias que o pai contava. O Mestre era o ídolo do seu José Antunes Coimbra, que considerava o camisa 8 melhor do que Pelé.

O Galinho de Quintino cresceu imaginando como era o futebol do Mestre. Teve a sorte de conhecê-lo em 1967, quando começava na base do Flamengo e passava parte do dia assistindo aos treinos do irmão Edu no América-RJ.

“Eu tinha lá para 14 anos. Tinha acabado de chegar ao Flamengo. E o time do América era um timaço dirigido por ele. Às vezes, saia da escola e ia lá ver meu irmão jogar, meu irmão treinar e tal”, disse Zico para a reportagem.

“Uma vez ele me chamou e falou assim: ‘Garoto, sei que você está no Flamengo, aquele time lá é diferente. Aquela camisa, assim como endeusa, ela derruba. Tem dias que não está dando certo, a bola bate na canela, você não está jogando como quer. Então, sai correndo dentro do campo, dando bico, carrinho, luta, porque a torcida gosta de jogadores que têm brio”.

O conselho foi bem absorvido pelo Galinho de Quintino porque, em 16 anos de Flamengo, ele conquistou todos os títulos possíveis, tornou-se o maior ídolo do clube, com 509 gols (líder do ranking da equipe) e 732 jogos (segundo mais presente).

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Zizinho relembra quando e como deixou o Rio para se tornar Mestre e campeão pelo São Paulo

Trecho faz parte do programa ‘100 anos de Zizinho, o Mestre do Rei Pelé’

“Eu fui um privilegiado por receber um conselho do ídolo do meu pai. E, quando o jogo não estava legal, eu saia que nem um desesperado correndo, lutando. Logo depois entrava no jogo. Foi um dos grandes conselhos que eu recebi na vida. Tive a oportunidade de falar isso para ele. E ele respondia: ‘Continue assim garoto. Tá muito bom’. Ele me chamava sempre de garoto”, disse Zico, aos risos.

Como camisa 10 mais famoso do Flamengo, o Galinho deixou o próprio pai numa situação constrangedora. Afinal, a partir dos anos 80, passaram a perguntar ao velho Coimbra quem foi melhor: Zizinho, Pelé ou Zico?

“Para ele, era o Zizinho. A gente caia na pele dele. Dizia ‘Igual Pelé não teve’. Mas quando perguntavam dos filhos, ele dizia: ‘O melhor é Tonico. É o único que não chuta uma bola, mas dá porrada em todo mundo’”, disse Zico, aos risos.

Homenagem dos mestres do jornalismo

José Maria de Aquino, 89, João Máximo, 87, Washington Rodrigues (o Apolinho), 85, Deni Menezes, 82, e José Trajano, 74, são alguns dos mestres do jornalismo brasileiro. Eles viram ou conviveram com Zizinho.

A convite da ESPN Brasil, eles prestaram uma homenagem ao craque centenário.

“A única vez que eu vi Zizinho em campo foi em 6 de abril de 1958. Foi o ano em que cheguei de Manaus ao Rio, e foi o meu primeiro dia de trabalho na Rádio Nacional. Jogaram no Maracanã Botafogo e São Paulo pelo Rio-São Paulo. O São Paulo ganhou por 5 a 2. E eu fiquei realmente impressionado com o talento dele, mesmo aos 37 anos”, disse o radialista Deni Menezes.

“Ao vê-lo, eu pude concordar com os flamenguistas que viram Zizinho jogar no primeiro tricampeonato do Flamengo [1942/43/44], durante o auge dele, que diziam que ele era um jogador absolutamente longe do tempo dele”, completou.

Quem reconhece isso até hoje isso é Washington Rodrigues, o Apolinho, que desde 1999 trabalha na Rádio Tupi e escreve há alguns anos uma coluna na página de esportes do jornal “Meia Hora”.

“O Zizinho era o ídolo daquele Flamengo e do meu time de botão. Era o meu botão nobre. Ele era o diferente, habilidoso, raçudo, tinha visão de jogo, servia os companheiros e fazia gols. Era o Pelé da época”, disse Apolinho, que tinha oito anos em 1944.

Entre as histórias que o radialista guarda com carinho a respeito de Zizinho está uma da época em ele já era um nome consagrado na crônica esportiva e o Mestre estava aposentado do futebol, tanto como jogador quanto como treinador.

“Jogavam Flamengo e Vasco, no Maracanã. Ele estava sentado do meu lado, olhando pro campo, aquele jogo ruim. Daqui a pouco ele resmungou: ‘Porra, nasci na época errada’. O que era uma verdade. Os caras ganhavam mais do que ele nem sonhou ganhar. Imagina se ele nascesse hoje, em que o Gabigol ganha quase dois milhões de reais por mês. Quanto ganharia o Zizinho? Quanto valeria?”, disse.

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Crédito da foto: Acervo Histórico Arquivo Nacional

João Máximo não era torcedor do Flamengo, mas tem uma história que revela muito o quanto Zizinho mexia com a imaginação e o sentimento dos brasileiros nas décadas de 1940 e 1950.

“Eu devia estar com 15 anos ou um pouco mais, já tinha visto o Zizinho jogar, mas fui ao centro da cidade fazer uma compra para o meu pai e aí eu passo na rua da Assembleia, que é uma rua que dá acesso à Praça XV de novembro, de onde saem as barcas para Niterói. Aí eu vejo o Zizinho, do outro lado da rua. Eu atravessei a rua, comecei a seguir o Zizinho”, relembrou.

“Queria saber como ele era. Se ele era alto, como ele andava… hoje em dia é uma curiosidade estranha, mas para mim não tinha nada de estranho. Eu queria ver o Zizinho. Eu lembro de ter dito ao meu irmão: ‘Sabe quem eu vi hoje? Eu vi o Zizinho, vi de perto’. Quase para dizer: ‘Ele existe’. É um tipo de idolatria de um ser que os jovens viam aos domingos no Maracanã numa distância que jamais podia ser vencida ou que os jovens conheciam por imaginar o ídolo ouvindo rádio. Isso mudou, é claro. Hoje ouvimos nossos ídolos falar, vemos o comportamento dos nossos ídolos e sabemos que eles são pessoas como as outras”, completou.

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Zizinho explica como deixou o Flamengo para jogar no Bangu no ano em que foi eleito o melhor jogador de uma Copa

Trecho faz parte do programa ‘100 anos de Zizinho, o Mestre do Rei Pelé’

José Maria de Aquino fez história como um dos integrantes iniciais do extinto “Jornal da Tarde” e da revista “Placar” mesmo sendo advogado de formação e profissão. Tornou-se um dos grandes jornalistas do Brasil, amigo próximo do Rei Pelé. Ele viu o Mestre Ziza jogar pelo São Paulo no final dos anos 1950 e teve contato com ele em eventos e em entrevistas.

“Se você me perguntar se ele era um bom jogador, basta eu responder que o sonho do Pelé era ser Zizinho. Todo mundo já ouviu isso aí. Não é mentira. É uma verdade. Quando jovem, Pelé queria ser Zizinho. Evidentemente ele o superou, mas eu coloco o Zizinho logo em seguida, como segundo maior jogador do Brasil. Zizinho e Zico, juntos”, disse Aquino.

Das histórias que testemunhou e até escreveu sobre o veterano, o jornalista cita duas. Uma ocorreu no México, durante um dia de folga dos jornalistas e da seleção brasileira em meio à disputa da Copa do Mundo de 1970.

“Nesses dias, fazia-se um joguinho entre os jornalistas do Rio contra os de São Paulo. Eu estava assistindo. Assim como o Zizinho. Começamos a conversar, e o [jornalista] Michel Laurence falou: ‘Zizinho, você foi o grande nome da Copa de 1950 e não ganhou’. Ele respondeu: ‘Pois é, eu não fui campeão, e o Fontana vai ser campeão’. Ele falou o Fontana como ele poderia ter dito o Marco Antônio, o Brito ou outro. Ele não poderia falar o Pelé porque o Pelé era um grande jogador, assim como o Tostão. Ele falou o Fontana porque foi um nome que veio na cabeça dele. E ficou uma coisa marcada, mas o Fontana não gostou”, relembrou.

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Crédito da foto: Acervo Histórico Arquivo Nacional

A outra história que está nas recordações de Aquino foi contada por Zizinho durante a gravação do “Bola da Vez”, na ESPN Brasil, em julho de 2000. O veterano jornalista foi um dos convidados para formar a bancada de entrevistadores do Mestre Ziza.

“Ele disse que o Brasil não perdeu a Copa de 1950 porque teve muita política e muito político na concentração. Uma história que se conta até hoje e que é verdadeira. Ele disse que o Brasil perdeu porque o Uruguai foi melhor. Pode ter sido um desabafo. Pode ter sido uma forma de dizer não fiquem me perguntando isso. Mas ele disse isso, e eu passei a repetir”, completou.

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Zizinho, 100 anos: vem aí um especial sobre a trajetória do Mestre do futebol, ídolo do Rei Pelé, de Flamengo e São Paulo

Programa será exibido na ESPN Brasil em 14 de setembro, às 22h30 (de Brasília)

Também um nome importante no jornalismo brasileiro, José Trajano é o único dos citados que não conseguiu ver Zizinho jogar.

“Você que pensa que eu não vi o Zizinho jogar. Vi sim, em sonhos. O Zizinho era tão enorme, tão grandioso, que a gente, quando era criança, influenciado pelos pais, pelos tios e pelos amigos da família, a gente imaginava o Zizinho jogando. Porque para esses mais antigos o Zizinho era maior que o Pelé. Era maior jogador do mundo”, rebateu Trajano à reportagem.

“O Zizinho tem três momentos maravilhosos na carreira dele: no Flamengo, na Copa do Mundo de 1950, em que ele foi eleito o melhor jogador do torneio, e no São Paulo. Depois ele foi técnico da seleção olímpica. Antes treinou o Bangu e o América-RJ”, disse.

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Crédito da foto: Acervo Histórico Arquivo Nacional

Diretor de jornalismo da ESPN Brasil de 1995 até 2012, Trajano conviveu com Zizinho no período em que o ex-meia-direita era técnico de futebol. Tantos anos depois, Trajano compartilha uma história de bastidores jamais revelada.

“Eu estava começando no jornalismo e no ‘Jornal do Brasil’, que era o grande jornal da época. Tinha na sessão de esportes cobras como Oldemário Touguinhó, Tácio de Almeida, João Máximo, Mauro Ivan, Zé Inácio. Quem começava ficava com Bangu ou América”, disse.

“Fui cobrir o Bangu e, em um sábado, véspera de Bangu x Flamengo, o Zizinho me chamou: ‘Olha depois do jogo eu vou pedir demissão. Até agora não me procuraram para renovar e eu vou embora. Pode publicar’. Voltei para a redação com um furo’”, continuou.

“No outro dia, foi manchete: ‘Zizinho larga o Bangu após o jogo contra o Flamengo’. Algo assim. O Bangu acho que venceu. Acabou o jogo, a imprensa toda foi para cima do Zizinho. Pessoal rádio querendo saber se era verdade. Ao ser questionado, ele disse: ‘Pergunta a ele aí’. E apontou para mim. Para você ver o caráter dele e como ele gostava de mim”, completou.

Assim como os colegas de jornalismo que tanto admiraram a trajetória do craque, Trajano lamenta que, no centenário de vida de Zizinho, o futebol brasileiro tenha deixado de reverenciar o Mestre do Futebol, o Mestre de Pelé.

“O sujeito faz cem anos e quem lembra? Quem se interessa pelo Zizinho? A história do futebol brasileiro tem de se interessar. Ele é um integrante da história do futebol brasileiro que jamais deveria ser esquecido. Mas isso não acontece só com o futebol. Isso acontece com a cultura brasileira. Esse é o preço que a gente paga por uma série de acontecimentos terríveis que nós vivemos. Quando você fica mais de 20 anos numa ditadura cruel, uma ditadura militar, não se dava bola para a memória afetiva do povo brasileiro. O que estamos vivendo hoje em dia, que não tem nem Ministério da Cultura nem Ministério do Esporte, não há a menor preocupação da memória afetiva. Ele precisa ser lembrado porque ser chamado de Mestre, como ele foi, é para poucos. Tem Rei, Rainha, Príncipe. E tem o Mestre”, finalizou José Trajano.

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Crédito da foto: Acervo Histórico Arquivo Nacional

Fonte: https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/9167498/como-zizinho-ajudou-gerson-e-zico-no-flamengo-e-a-homenagem-dos-mestres-do-jornalismo-ao-centenario-craque

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