Cultura Brasileira

Fred Soares: ‘O que o futebol brasileiro deve recuperar – sem imitar ou idealizar’

Hoje, 1º de janeiro de 2025, o Ano Novo sempre nos convida a refletir sobre o futuro, enquanto analisamos o que vivemos no passado. Esse foi precisamente o ponto enfatizado por José Boto, o novo diretor técnico do Flamengo, durante sua entrevista de apresentação. Ele questionou como o Brasil tem tratado sua base e fez um alerta: talvez seja o momento de darmos um passo atrás e resgatarmos a essência que um dia definiu a escola brasileira de futebol.

Nos últimos anos, muito se tem falado sobre a necessidade de modernizar a formação de jogadores. ‘Vamos copiar o Ajax, o Barcelona, os alemães.’ Essa era a frase da moda, e qualquer crítica a ela era interpretada como resistência ao progresso. Contudo, será que importar modelos é realmente o caminho correto?

No meio dessa euforia de imitar, um aspecto crucial ficou esquecido: a criatividade que surge do lúdico, a liberdade de improvisar nas ruas e a técnica refinada no futsal. Adotamos métodos, mas deixamos de lado o contexto, a nossa cultura – e isso pode ter nos custado muito.

É necessário reconhecer: Vanderlei Luxemburgo tem afirmado isso há anos, embora poucos realmente prestem a devida atenção.

O Brasil não se tornou uma fábrica de craques por acaso. Havia um ambiente fértil que estimulava a genialidade: as ruas, as peladas, o improviso transformado em arte.

É verdade que, por muito tempo, acreditamos que nossos talentos surgiam quase espontaneamente. Jogadores eram moldados na infância, jogando descalços nas ruas, e só ganhavam polimento na vida adulta. No entanto, essa visão é incompleta.

Quem cresceu jogando bola sabe: o improviso nunca acontece no vazio. Ele surge da inspiração, do desejo de imitar um ídolo, de reproduzir uma jogada vista no estádio ou na televisão. Durante décadas, meninos dos subúrbios das grandes cidades ou no interior sonhavam em se tornar novos Pelés, Garrinchas, Rivelinos e Zicos. Esses sonhos guiavam suas brincadeiras – e, com isso, a técnica era aprimorada.

Até mesmo nas peladas de final de semana, há uma lógica que se manifesta naturalmente. A cultura do futebol organiza o caos: é ela que determina onde você deve jogar, como se posicionar, quem é o ‘camisa 10’ ou o ‘segundo atacante’. Tudo isso é aprendido na prática, sem a necessidade de um manual.

Esse aprendizado informal é o que denominamos essência. Não se tratava apenas de talento puro; era um método empírico, construído pela repetição, pela inspiração e pela liberdade. Foi isso que nos tornou únicos e proporcionou gerações de jogadores lendários.

Nos últimos anos, a base do Palmeiras revelou talentos como Endrick, Estêvão e Luiz Guilherme, todos já negociados por milhões de euros com clubes europeus. Você acredita que isso aconteceu por acaso? Além de utilizar toda a metodologia tradicional na formação de jogadores, o clube adota uma abordagem bastante peculiar. No centro de treinamento da base, o Palmeiras construiu um campinho que poderia passar despercebido. Mas esse não é um campo perfeito – muito pelo contrário. Ele é ralo, esburacado e desnivelado, tudo intencionalmente, para criar um ambiente que desenvolva o talento da forma mais orgânica possível.

Na entrada desse espaço, há uma placa que reforça a filosofia por trás dele: ‘Proibido treinadores. Espaço de liberdade, improviso e autonomia.’ É ali que a essência do futebol brasileiro encontra espaço para florescer.

O que José Boto sugere é que o Brasil precisa reaprender a valorizar essa essência. Não para viver de saudosismo ou resistir ao que há de bom em outras escolas, mas para atualizar o que temos de melhor.

No caso do Flamengo, adotar essa perspectiva pode não apenas ampliar ainda mais a vasta fonte de receitas do clube, mas também resgatar uma máxima que está no coração da sua identidade: craque o Flamengo revela em casa.

Podemos – e devemos – observar o que funciona bem no futebol europeu. Contudo, não podemos abrir mão da nossa identidade, da nossa maneira de jogar, de criar e de formar talentos. O futebol brasileiro precisa voltar a brincar, a se reconectar com suas raízes.

Publicado em colunadofla.com

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Redação Flamengo RJ

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