Há muito o torcedor do Flamengo não sofria um baque desse tamanho. A derrota para o Palmeiras não trouxe uma tristeza qualquer. Ela sacramentou uma temporada de inversão felina: o time saltou como um tigre (Brasileirão 2020, Supercopa, Estadual) e pousou como um gatinho — perdendo as três principais taças que disputava. E Montevidéu soou como um soco no fígado.

A dor foi profunda. Quem caminhasse pelo Rio no último sábado veria nas ruas um misto de expectativa e euforia. Parecia um cruzamento de réveillon com carnaval. Bares e quiosques estavam lotados e ansiosos. Fogos eram disparados. A ansiedade era enorme. A vitória soava palpável, apesar da desconfiança recente com Renato Gaúcho. O time era melhor, o clube nunca havia perdido final continental e a possibilidade do título fervia na pele de cada torcedor.

Mas deu Palmeiras — no jogo e na narrativa. O time paulista arrebatou o título de soberano do passado recente e deixou os rubro-negros incrédulos e devastados. Foi tipo uma promessa não cumprida. Ou mais do que isso, uma terra prometida não alcançada. O Flamengo de Zico conquistou o mundo. Depois disso… foram anos de seca internacional com sucessos regionais e breves espasmos nacionais.

Quando o clube se organizou e passou a dominar o mercado essa história mudou. De repente, o Flamengo se cacifou para papéis principais. Depois de eras acordando como Maurício Mattar e jurando no espelho que era o George Clooney… o Fla estelar realmente chegou. De repente, em 2019, o elenco construído em anos anteriores encontrou o maestro necessário. Jorge Jesus encaixou as peças numa máquina de jogar bola e triturar adversários.

Em 2019, o time passou a praticar o melhor futebol que o Brasil viu em muito tempo. Com marcação sufocante e talento de sobra, o Fla-Clooney atropelou o Brasileiro e, numa final equilibrada, derrotou Ricardo Darín, ou melhor, o River Plate para levantar a Libertadores. Foi indicado para o Oscar e não fez feio. Perdeu a estatueta para o Liverpool de Klopp, uma espécie de Leonardo di Caprio, num jogo duro. Mas deixou a sensação de que voltaria logo ao tapete vermelho — com chance de repetir aquele outro Flamengo.

Eis que, 40 anos depois, esse parecia ser o roteiro. O palco uruguaio era o mesmo de 1981. O adversário provável num eventual mundial também seria inglês — o Chelsea — e parecia menos temível que o time de Salah. Mas havia um Palmeiras no meio do caminho — um coadjuvante inesperado. George Clooney acordou de repente, foi ao espelho e viu que tinha se transformado no Rodrigo Santoro. Pior: tinha perdido a indicação no Oscar pro Marcos Palmeira (ugh, alerta de trocadilho).

Em outras palavras, o ator mundial subitamente se viu nacional, tendo que escalar de novo a íngreme montanha das Américas. Enquanto, o alviverde imponente vai para Abu Dhabi tentar derrubar seu último tabu — e cancelar a musiquinha do Mundial ausente —, o Flamengo lambe suas feridas. Assim é o futebol. Poucas dores são piores do que a dor do quase, mas ela também ensina que a única alternativa é seguir em frente. Se há algum consolo é que o alpinista rubro-negro tem todas as ferramentas para começar nova escalada.