No futebol sem torcida, os bancos de reservas se tornam um microcosmo à imagem e semelhança das saudosas arquibancadas lotadas. A reação de jogadores e comissão técnica, sem filtros, expôs o contraste entre as situações de Flamengo e Vasco após os jogos deste domingo, na penúltima rodada do Brasileirão.

No Maracanã, a fratura no dedão do pé direito não impediu os saltos e as corridas eufóricas de Willian Arão quando Gabigol fez o gol da virada rubro-negra sobre o Internacional. Também pudera: o Flamengo assumiu a liderança pela primeira vez na competição e agora depende de si no último jogo contra o São Paulo, no Morumbi, para conquistar mais um título nacional.

Por outro lado, o choro de Andrey e outros jogadores do Vasco na NeoQuímica Arena, após o empate com o Corinthians, serve como manifestação pública da dor pelo rebaixamento. As lágrimas são de quem sente que não há mais jeito. É um “dane-se” à matemática.

Na ciência exata, o Vasco ainda não caiu. O realismo futebolístico impede a crença nesse milagre. O sentimento abstrato de fracasso está representado por cada lágrima derramada pelos vascaínos.

Jogadores do Vasco no campo após empate com Corinthians Foto: Peter Leone/Ofotografico / Agência O Globo

O desfecho do Brasileirão para Flamengo e Vasco é um retrato de um distanciamento iniciado bem antes da pandemia e que vai além do buraco que separa a Série A da Série B. Nesse contexto, vale incluir o Botafogo.

O Flamengo que se aproxima do segundo título brasileiro seguido colhe os frutos de uma reestruturação iniciada em 2013. O clube que alternava boas e más campanhas, com títulos e brigas contra o rebaixamento, percebeu que o caos financeiro não podia prevalecer. Os frutos vieram de forma robusta em 2019. Em que pese a turbulência e os erros no futebol no 2020 da pandemia, o time coloca de novo os dedos (fraturados ou não) na taça.

O saltitante Willian Arão faz parte dessa guinada. O “tá mal, Arão” dos tempos de Jorge Jesus virou só um meme divertido e sem sentido diante da relevância do jogador, seja atuando improvisado na zaga por Rogério Ceni ou ao “emular” a função de auxiliar técnico no banco, ontem.

Detalhe: substituto de Arão, Gustavo Henrique quase foi a antítese de Ronaldo Angelim (autor do gol do título em 2009). Mas a virada que levou ao delírio amenizou o pênalti bobo.

Antes do início do Brasileirão, era de se esperar que o Flamengo ocupasse o topo da tabela em algum momento. Por isso, mais chamativo que isso é ver o esfarelamento do Vasco ao longo do torneio. E pensar que numa longínqua terceira rodada o líder era o cruz-maltino.

Muita coisa deu errada desde então. O elenco não tem esse talento todo, mas teria condições de estar em situação melhor. O ponto é que as trocas de treinadores não surtiram efeito. Os salários atrasaram. Na política, uma briga jurídica atrasou a transição entre a Alexandre Campello e o Jorge Salgado.

É cruel. Mas rebaixamento e confusão eleitoral passam muito longe de ser novidade na vida do Vasco nos últimos anos. E isso tem seu preço. O clube não aprende com os próprios erros, já que também frequentou a Série B em 2009, 2014 e 2016.

A falta de criatividade em um jogo crucial como o de ontem é uma gota d’água em um mar de problemas. A aparente boa vontade da nova diretoria em profissionalizar a gestão e resolver as mazelas financeiras terá obstáculo ainda maior com a queda à Série B. O contraste em relação ao Flamengo parece irreversível. A jornada de domingo foi um símbolo.