Wilson Mano relembra quase ida ao Flamengo e Corinthians bagunçado antes do título de 90 …

“No gol eu não joguei. Todas as camisas, todos os números, eu vesti”.

Wilson Mano teve papel fundamental na conquista do primeiro título brasileiro do Corinthians, que completará 30 anos na próxima quarta-feira. Considerado um dos maiores curingas da história do clube, ele fez o gol que deu a vitória por 1 a 0 sobre o São Paulo na primeira final da competição, no estádio do Morumbi.

Revelado no XV de Jaú-SP, ele foi para o Parque São Jorge em 1986 e rapidamente caiu nas graças da Fiel pela raça. Era um verdadeiro representante da torcida dentro de campo. Depois de ser campeão paulista em 88, viu o clube viver muitas frustrações nas temporadas seguintes. E o ano de 1990 não parecia que seria diferente. Após uma campanha decepcionante no Paulistão, a equipe chegou ao Nacional com um elenco de poucas estrelas e baixas expectativas.

“No máximo fazer um bom campeonato, mas chegar ao título, inclusive um título inédito, pouca gente acreditava. Nós mesmos do grupo não acreditávamos no começo de trabalho”, afirmou ao ESPN.com.br.

O que poucos sabem é que por muito pouco o jogador não foi para o Flamengo antes da conquista. Mano tinha perdido quase o primeiro semestre todo de 90 devido a uma lesão no joelho, que o obrigou a ser operado duas vezes.

“O [ex-pugilista] Zé Maria era o treinador e eu não gostava do sistema dele trabalhar. Ele não tinha comando sobre o grupo. Ele tinha alguns jogadores que ele fazia média. Esses jogadores mandavam no time. Ele criou uma panelinha dentro do próprio grupo, favorecendo alguns jogadores e deixando outros jogadores, mais jovens, tem de fazer e acabou”, disse o ex-jogador.

“O Jair Pereira estava no Flamengo na época e ele me ligou dizendo que queria me levar para o Flamengo. Como eu não estava legal, não estava contente, falei com o [presidente Vicente] Matheus que tinha uma proposta. Ele disse que cobria essa oferta, que estava mandando o Zé Maria embora e trazendo o Nelsinho Baptista. ‘Antes de eu negociar você eu quero esperar o treinador’”, recordou.

Logo no primeiro dia com a equipe, o novo treinador, que tinha sido vice-campeão paulista pelo Novorizontino em 1990, chamou Mano para uma conversa franca.

“Disse que gostaria que eu continuasse, não queria que eu saísse. Eu expus para ele que estava incomodado com uma série de situações. E o Nelsinho foi bastante transparente. ‘Eu quero que você fiquei, já conversei com o Matheus e acho difícil ele te liberar’. E realmente foi o que aconteceu. Cheguei na sala do presidente e ele disse que não me liberaria, que renovaria, que pagaria o que o Flamengo prometeu pagar. Eu acabei renovando e a gente começou a trabalhar”.

“Até então, havia grupos em que um treinava e outro não treinava. Um se dedicava mais e os outros não ligavam muito. E a partir do Nelsinho foi uma cobrança homogênea, uma cobrança em cima do grupo de trabalho. Não era um grupo grande, mas abraçou esse sistema do Nelsinho”, explicou.

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Wilson Mano relembra quase ida ao Flamengo e Corinthians bagunçado antes do título de 90: ‘Jogadores mandavam no técnico’

Nascido em 23 de maio de 1964, Wilson Carlos Mano conquistou a torcida do Corinthians com a sua versatilidade em campo

Aos trancos e barrancos

Mesmo com a melhora no ambiente, os resultados na primeira fase foram muito irregulares (oito vitórias, seis empates e cinco derrotas em 19 jogos) e o Corinthians, que perdeu na rodada final, só se classificou para as quartas pelo índice técnico.

“Todo mundo chegando no vestiário cabisbaixo, triste e de repente veio a notícia que nós estávamos classificados por causa no resultado no qual a Portuguesa nos ajudou. Ali ganhamos outro ânimo porque iríamos para o quadrangular final. Na segunda-feira, na reapresentação, houve aquela conversa. Todo mundo chegou animado, e eu lembro que eu falei: ‘Nós ganhamos um presente. A gente estava saindo do campo desclassificado. Acho que agora é a hora de tentar responder esse presente que ganhamos’”, recordou.

A jornada não seria fácil. Os adversários do Timão decidiriam todos os duelos em casa e tendo a vantagem do empate.

“Muitos acreditaram, outros ficaram em dúvida. Mas começou a acontecer uma coisa bastante interessante. Nos treinamentos apareceu uns cinco mil torcedores. Quando entramos na Fazendinha e vimos aquilo a gente se assustou, falou: ‘O que aconteceu?’ Parece que tivemos uma injeção de ânimo”.

No primeiro mata-mata o Corinthians eliminou o Atlético-MG, dono da melhor campanha, depois de vencer em casa por 2 a 1 e segurar o 0 a 0 no Mineirão.

“Saímos perdendo e viramos o jogo no Pacaembu totalmente lotado. Fomos em Minas e conseguimos passar. Aí, virou uma festa no Parque São Jorge e uma cobrança. Mas foi bom para a gente”.

Na semifinal, o Bahia – campeão em 88 – foi eliminado com outro 2 a 1 no Pacaembu, com dois gols de Neto, e outro empate 0 a 0, na Fonte Nova.

“Nessa fase decisiva tivemos quatro jogos que antecederam a final muito legais. Campo lotado, toda uma dinâmica que mexeu com o grupo. A torcida se inflamou e a gente acabou ganhando energia positiva para esses jogos, que nos levaram para a final”, afirmou Mano.

O gol salvador

Na decisão, o adversário era o favorito São Paulo, do técnico Telê Santana, que tinha sido vice do Brasileiro de 89 e que conquistaria o bicampeonato mundial nos anos seguintes. Para piorar, os dois duelos seriam no Morumbi, casa do Tricolor.

Antes da primeira partida, no dia 13 de dezembro, o meio-campista teve uma conversa com o técnico.

“Nelsinho me chamou na preleção e falou: ‘Mano, você e o Marcio não saiam, não passem do meio de campo. Quero vocês dois na marcação’. Eu ainda brinquei porque ele sabia que eu gostava de sair para o jogo como segundo volante, de chegar à frente, chutar ao gol. ‘Mas nem se for para fazer o gol?’ Aí, ele deu risada e falou: ‘Se for para fazer o gol você pode ir, senão não’”, recordou.

A “profecia” do jogador acabou se concretizando. Após cobrança de falta de Neto pelo lado esquerdo, Mano entrou de carrinho e marcou um gol quase improvável em Zetti.

“Depois disso, eu passei a jogar o jogo todo marcando. Logo na sequência, o Marcio teve um problema na perna e saiu. Eu recuei como terceiro zagueiro, mas ainda como volante fixo. Foi o último momento que fui para a área e fiz o gol. E nós podíamos ter decidido aquele campeonato no segundo tempo. O Neto errou dois gols cara a cara com o Zetti”, contou.

Após a vitória por 1 a 0, a equipe alvinegra voltou ao hotel para continuar concentrada até o segundo jogo, que seria realizado apenas três dias depois, no domingo (16/12). Wilson Mano só foi entender o tamanho do feito que obtivera no Morumbi durante o treino antes da grande decisão.

“Quando descemos do ônibus vieram 90% de todos os repórteres querer conversar comigo. No outro dia só dava eu no jornal. Como poderia ser o gol do título, título inédito, aí caiu a ficha da importância do gol”.

No dia 16 de dezembro de 1990, o Corinthians precisava de um empate para ser campeão. As instruções de Nelsinho foram claras: não deixar o adversário jogar. O primeiro tempo terminou sem gols, mas logo aos nove minutos, Tupãzinho fez um gol chorado que aumentou a vantagem alvinegra.

Minutos depois, Mano e Bernardo, volante do São Paulo, foram expulsos pelo árbitro Edmundo Lima Filho.

“Eu fui para o vestiário, tirei a camisa do jogo e falei: ‘Essa vou guardar’. Peguei uma camisa de treino e fiquei trocado. E falei: ‘Vou esperar para subir para o campo e comemorar o título’. Fiquei com o Miranda, tomando água, ouvindo o jogo pelo rádio. Quando o [narrador esportivo da Rádio Bandeirantes] Fiori Gigliotti disse que estava com 42 minutos, eu falei: ‘Quer saber, eu vou entrar’. Eu subi o túnel, mas um segurança falou: ‘Mano, não pode entrar’. Eu falei: ‘Não pode o caralho, falta três minutos’”, contou.

O corintiano foi perto da arquibancada e um torcedor jogou uma faixa de campeão brasileiro, que o jogador vestiu.

“Nisso, jogaram uma bandeira também. Aí, sai comemorando, dei a volta em toda pela lateral, comemorando com o torcedor do Corinthians e o jogo ainda em andamento. Faltava três ou quatro minutos”.

Assim que o juiz apitou o fim da partida, a festa corintiana tomou conta do Morumbi.

“Quando a gente estava comemorando o jogo, logo após a conquista, a gente teve de correr para o vestiário porque houve uma invasão no campo. Naquela época podia ter fogos, bandeira. Não tinha problema de iluminação de lugares. É a coisa mais linda você olhar aquele anel do Morumbi em preto e branco, bandeiras e fechado. Aquilo ali te passa uma energia que é inexplicável”.

“Foi um título que veio como prêmio pela dedicação do grupo. Esse grupo no começo do campeonato era heterogêneo. Depois ficou homogêneo. Nelsinho conseguiu fazer todo mundo treinar igual, com exceção do Neto, que não tinha condicionamento físico para treinar com a gente. Mas o Flavinho pegava ele, ficava junto com ele, levando ele para dentro de campo. Ele treinava bola parada demais. Ele não consegui pela parte física, mas ele compensava porque se dedicava muito a essa bola parada, nos ajudando dentro do que era o forte dele”.

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Campeão pelo Corinthians, Wilson Mano revela momento em que ficou claro que título de 1990 era possível

Nascido em 23 de maio de 1964, Wilson Carlos Mano conquistou a torcida do Corinthians com a sua versatilidade em campo

Gratidão da torcida até hoje

Foi só a partir do segundo dia após o jogo que Wilson Mano passou a entender que sua vida nunca mais seria a mesma.

“Logo que fomos campeões, tivemos a representação para a gente se despedir e entrar de férias. E aquele segundo dia em São Paulo não foi tanto. Apesar que a imprensa, os jornais, a televisão, a comemoração dos torcedores na Paulista e em vários locais de São Paulo, a gente começou a ficar contagiado. Mas depois, quando caiu a ficha mesmo, foi quando começou a ir para o interior e sentir o quanto tinha sido importante. As pessoas se aproximavam e o assédio foi diferente dos anos anteriores do que quando a gente apenas disputava o campeonato normal”.

Mano participou de 20 jogos na campanha de 1990, sendo que foi titular nos últimos seis jogos, e fez dois gols. O ídolo da Fiel acredita que o título de 90 mudou o patamar do clube nas décadas seguintes.

“Foi ali que começou a projeção nacional, abriram as portas. Tirou aquele peso de nunca ter vencido um brasileiro. Então, entrou naquele velho ditado do interior: porteira que passa um boi, passa uma boiada. A partir daí o Corinthians começou a ganhar outros títulos”.

Antes de pendurar as chuteiras, ele ainda passou por Jubilo Iwata, Shonan Bellmare, Sãocarlense, Bahia, XV de Jaú e Fortaleza. Depois, teve uma breve carreira como treinador antes de voltar a morar em Jáu. Fora do esporte há pelo menos cinco anos, ele administra a renda que consegue com alguns postos de combustível e gosta de dizer que passa o tempo “degustando algumas geladas” e revendo os amigos dos tempos de futebol.

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Corinthians: Wilson Mano relembra que desobedeceu treinador para fazer gol no 1º jogo da final de 1990 contra o São Paulo

Nascido em 23 de maio de 1964, Wilson Carlos Mano conquistou a torcida do Corinthians com a sua versatilidade em campo

“A gente tem um pequeno contato com a torcida pelo Face, pelo Instagram. Eu gosto de postar fotos. Algumas pessoas mandam fotos que eu não tinha e nem tenho. Eu publico e o pessoal sempre agradece: ‘Obrigado, obrigado, eu tinha sete anos, eu tinha dez anos…’ É gostoso ouvir, é gratificante. É maior até do que 30 anos atrás”.

Fonte: https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/7903614/wilson-mano-relembra-quase-ida-ao-flamengo-e-corinthians-baguncado-antes-do-titulo-de-90-jogadores-mandavam-no-time

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